Por Rosa Peralta, Assessora para Relações Institucionais de KOINONIA
Em abril, KOINONIA deu início às atividades do projeto “Quilombolas: agentes de ação pelo clima”, que tem como objetivo conduzir uma série de formações para que lideranças quilombolas vinculadas aos territórios em que KOINONIA atua – estado do Rio de Janeiro e Baixo Sul da Bahia – sejam capacitadas para incidir na interseção entre direitos territoriais e a questão ambiental e climática. Para apoiar esse processo, o projeto prevê também ações e a produção de materiais que aumentem a visibilidade do papel das comunidades quilombolas na preservação ambiental e na mitigação das mudanças climáticas entre governos, organizações da sociedade civil e sociedade geral.
“As comunidades quilombolas continuam invisibilizadas nos espaços de discussão sobre meio ambiente e clima. É preciso mudar esse cenário. Este ano, em que o Brasil sediará a CoP30 em Belém, é um momento especialmente oportuno para alavancar o reconhecimento das comunidades quilombolas como agentes chave no combate às mudanças climáticas. Para isso, é importante que lideranças possam se capacitar e assumir o protagonismo em ações de incidência e sensibilização da sociedade em geral”, declarou Rosa Peralta, assessora para relações institucionais e advocacy de KOINONIA e coordenadora do projeto.
Em 24 de abril, a aula inaugural foi conduzida por Pedro Eduardo Graça Aranha, professor, pesquisador da Fiocruz e idealizador da Coalizão pelo Clima. Com o tema “Mata Atlântica: seus povos, suas matas, suas águas”, Pedro apresentou o histórico de degradação desse bioma, que hoje é o mais biodiverso, mas também o mais ameaçado do Brasil.
“Apesar de tanta destruição, a Mata Atlântica resiste. E resiste muito devido à presença das comunidades quilombolas, que preservaram as florestas e suas fontes de água. Há espécies endêmicas, como a piaçava, que devem ser extremamente valorizadas, porque são verdadeiras joias do bioma”, enfatizou.
Reparação histórica
Após a exposição do professor Pedro Aranha, foi aberto um espaço de discussão paras as lideranças quilombolas e a equipe de KOINONIA presentes. Um dos pontos ressaltados foi o fato de muito se ouvir falar em povos da Amazônia, mas nem tanto de povos da Mata Atlântica.
A questão do racismo ambiental foi também bastante ressaltada. De um lado, muitas pessoas se admiram que essas comunidades possam habitar lugares tão privilegiados. Por outro, há quem questione se esses grupos realmente saberão cuidar e preservar as matas e águas, ignorando seu papel preponderante na conservação do meio ambiente ao longo da história.
Pedrina Belém do Rosário, quilombola da comunidade de Jatimane, no município de Nilo Peçanha, Baixo Sul da Bahia, e mobilizadora comunitária de KOINONIA, salientou que essa defesa dos territórios não ocorre sem riscos. Todos os meses, ela participa de reuniões no Conselho Inter Territorial de Articulação das Comunidades Quilombolas do Baixo Sul e Litoral Sul da Bahia (Ciacoq), que reúne lideranças de diversas comunidades para discutir demandas por políticas públicas e possíveis ações para pressionar os agentes públicos.
“Nos territórios, nós nos reunimos, nos mobilizamos, nos organizamos para exigir nossos direitos. Mas, muitas vezes, quem está na linha de frente acaba se expondo a ameaças e violências. Nós fomos os povos que preservaram, sim, a Mata Atlântica. Então, nosso papel tem que ser valorizado e reconhecido, mas essa responsabilidade tem que ser compartilhada com toda a sociedade”, destacou. Essa declaração reforça o outro lado da moeda. Apesar de serem os grupos protetores das florestas e águas em todo o país, as comunidades quilombolas têm acesso precário ou inexistente a diversas políticas públicas nas áreas de saúde, educação e habitação.
Dados do Censo Quilombola do IBGE de 2022 apontam que, do total da população quilombola, 78,93% enfrentam dificuldades de acesso a serviços de saneamento básico adequados, enquanto na população geral, esse percentual é de 27,28%.
Vale lembrar também que a segurança na posse da terra é fator crucial para que quilombolas, assim como outros Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), protejam seus territórios. No entanto, segundo um estudo da organização Terras de Direitos, “no atual ritmo, Brasil levará 2.188 anos para titular todos os territórios quilombolas com processos no Incra”.
Rumo à CoP 30 e à Cúpula dos Povos em Belém
O projeto “Quilombolas: agentes de ação pelo clima”, que conta com recursos do Instituto Clima e Sociedade (iCS), prevê a realização de atividades de formação virtuais e presenciais, abordando temas desde a importância da identidade quilombola, direitos territoriais, racismo ambiental, relações de gênero e geracionais, principais convenções e tratados internacionais e justiça climática.