
Desde 2004*, o dia 29 de janeiro é símbolo da luta de travestis, mulheres e homens trans no Brasil. Mais de 10 anos se passaram e a pergunta que paira é: o quanto avançamos na luta por mais direitos e cidadania dessas pessoas?
Algumas coisas mudaram, sim, como o direito ao processo transexualizador pelo SUS desde 2008; o direto ao uso do nome social também no SUS e em outros âmbitos, como no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e outras legislações municipais, como em São Paulo. Mas o caminho ainda é longo e cada vez mais a reflexão sobre os padrões de gênero e sexualidade se torna gritante.
No relatório lançado dia 18 de janeiro de 2018 pelo Grupo Gay da Bahia, o Brasil bateu o recorde de mortes de pessoas LGBTT no ano de 2017. O número de vítimas de transfobia, lesbofobia e homofobia aumentou cerca de 30% em relação a 2016. A cada 19 horas uma pessoa foi morta por ser travesti, transexual, lésbica, bissexual ou gay.
Refletir, entender e agir
Demily Nóbrega, travesti e cabeleireira, se considera “transgressora”. “Essas categorias ‘feminino’ e ‘masculino’ são construções culturais baseadas no machismo patriarcal; precisamos parar de enxergar o corpo humano de forma polarizada”, afirma.
Demily expôs sua reflexão durante as oficinas e roda de conversa sobre gênero e identidade realizada na última quarta-feira, 31 de janeiro, por KOINONIA em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Saúde LGBT+ da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (NUDHES), Programa de Educação Comunitária da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), Renafro, Coletivo LarAyo e Paperbox.
Tendo como pano de fundo o universo da moda, o evento buscou construir um diálogo crítico sobre o contexto social, cultural e de acesso a direitos por parte dessa população, trazendo as questões de identidade. Para Daniel, o debate sobre as questões de gênero e sexualidade ainda é tabu, caso contrário, os dados citados anteriormente não seriam verídicos. Quando optamos por não refletir, optamos respaldar a violação de direitos básicos à população T.
“Estamos dentro de uma estrutura social binária que determina o que é masculino e feminino em diversas esferas da vida. Trata-se de uma classificação rígida que, dependendo do caso, concede permissão ou atua como coerção diante dos desejos e ações dos indivíduos”, completa.
Segundo Thais, “as pessoas transexuais são extremamente evoluídas, porque questionam a sua identidade de gênero, a forma como biologicamente nasceram e como interiormente se sentem; e a moda tem um papel muito importante diante das violências sociais que acontecem para que esses corpos sejam livres de fato”.
Ao longo da história, a moda teve o papel de personificar os padrões de gênero, sendo assim, o modo como nos vestimos é reflexo do gênero que nos é atribuído. Quebrar essas construções é difícil, mas não impossível. Como conclui Thais, “a moda tem um papel importante diante das violências sociais que acontecem para que esses corpos ‘transgressores’ sejam livres de fato”.
E para Demily, se ser livre significa transgredir, “nós que estamos nesse corpo trans temos mais é que romper com todo esse sistema heteronormativo falso e criado pra hierarquizar e controlar o corpo e a mente; como sempre, o machismo quer eliminar e negar aquilo que considera inferior”, afirma Demily.
*No dia 29 de janeiro de 2004, pela primeira vez na história do país, travestis e transexuais foram ao Congresso Nacional expor a realidade dessa população marcada pelo estigma da prostituição e de anormalidade.