
Ela nasceu Maria Stella de Azevedo Santos, tornou-se Mãe Stella de Oxóssi. Nascida em 2 de maio de 1925 em Salvador-BA, foi uma das figuras mais emblemáticas do candomblé no Brasil e uma defensora incansável da liberdade religiosa e da educação. Sua trajetória de vida foi marcada pela luta contra a intolerância religiosa, pelo fortalecimento da identidade afro-brasileira, pela afirmação de que não precisamos mais do sincretismo para “disfarçar” nossa religiosidade.
Compromisso com a liberdade religiosa
Desde cedo, Mãe Stella demonstrou um profundo compromisso com a defesa da liberdade religiosa. Ela acreditava que a intolerância religiosa surgia da falta de conhecimento e do preconceito entre diferentes crenças.
Segunda ela, “a intolerância religiosa parte da discordância de outras religiões e crenças em relação às práticas de matriz africana. O candomblé não é uma crença, é uma prática religiosa” [1].
Além de sua atuação religiosa, Mãe Stella também se destacou como escritora e intelectual. Autora de diversos livros, incluindo “Òsósi – O caçador de alegrias” e “Òwe-Provérbios”, ela utilizou a palavra escrita para promover o respeito inter-religioso e combater o fundamentalismo religioso.
Legado cultural e resistência
Sob sua liderança, o Ilê Axé Opô Afonjá, um dos terreiros mais tradicionais da Bahia, implementou projetos educacionais, como uma escola, uma biblioteca e um museu, visando a educação de jovens e crianças. Essas iniciativas refletiam seu entendimento de que a educação é um meio eficaz para combater a intolerância e promover a igualdade.
“Quero ver meus filhos de anel no dedo e aos pés de Xangô”.
Mãe Stella de Oxóssi deixou um legado literário significativo que reflete sua profunda conexão com a tradição afro-brasileira e sua luta pela valorização da cultura negra. Suas obras abrangem desde manuais religiosos até literatura infantojuvenil, passando por crônicas e provérbios que dialogam com diversas tradições espirituais.
Mãe Stella de Oxóssi teve uma atuação marcante na defesa dos direitos humanos, especialmente sobre o respeito às religiões de matriz africana, à igualdade racial e à valorização da cultura afro-brasileira. Sua luta transcendeu os muros do terreiro e se manifestou em ações concretas no campo da educação, da cultura e da política de reconhecimento das tradições negras no Brasil.
Principais contribuições de Mãe Stella na luta pelos direitos humanos
Combate à intolerância religiosa | Como ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, ela enfrentou e denunciou publicamente os ataques ao Candomblé e a outras religiões de matriz africana, exigindo que o Estado brasileiro garantisse liberdade e respeito à diversidade religiosa, conforme previsto na Constituição.
Valorização da identidade negra | Por meio de suas publicações, palestras e entrevistas, Mãe Stella reforçava o orgulho de ser negro e a importância de preservar e transmitir os saberes ancestrais africanos, especialmente aqueles ligados à espiritualidade e à oralidade.
Educação como ferramenta de empoderamento | Formada em enfermagem e escritora ativa, ela sempre destacou a importância do conhecimento para libertar. Em 1978, é fundada a Escola Eugênia Anna dos Santos, em homenagem a Mãe Aninha dentro do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, a escola nasceu sob o nome Mini Comunidade Obá Biyi, uma iniciativa impulsionada por Mãe Stella e pela Sociedade Civil Cruz Santa do Terreiro, com o objetivo de unir educação formal e conhecimentos tradicionais. Em 2019 torna-se nome de escola no bairro do Cabula, o colégio Poli Valente vira Escola Municipal Ialorixá Maria Stella de Azevedo Santos, em Salvador, voltada à valorização da cultura afro-brasileira.
Atuação institucional | Foi membro da Academia de Letras da Bahia, sendo a primeira ialorixá a ocupar tal posição. Isso representou um marco simbólico e político no reconhecimento dos saberes afro-brasileiros como parte do patrimônio intelectual do país.
Reconhecimento público | Recebeu diversas honrarias por sua atuação em defesa dos direitos humanos, como a Comenda Maria Quitéria e homenagens da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por sua luta contra o racismo e a intolerância religiosa.
Reconhecimento e memória | Em reconhecimento à sua contribuição para a cultura e a liberdade religiosa, Mãe Stella recebeu diversas homenagens póstumas. A Fundação Cultural Palmares lançou um selo comemorativo em sua honra, e o Ilê Axé Opô Afonjá foi tombado como Patrimônio Cultural do Brasil.
Em 2019 foi inaugurado um memorial em sua homenagem, composto da estátua de Mãe Stella e do Orixá Oxóssi, em reconhecimento a todas as suas colaborações para a sociedade baiana e do Brasil. Mas em 2022 a memória e reverencia a mãe Stella foi alvo de ataques, um incêndio criminoso destruiu grande parte da estátua, ato que gerou protestos e reafirmou a importância de sua luta pela liberdade religiosa. Mesmo com as investigações os culpados não foram identificados e devidamente punidos. Mas a estátua foi refeita e reinaugurada em agosto de 2023 com grande festa do povo de terreiro.
Celebrar o centenário de Mãe Stella de Oxóssi, em maio de 2025, é um marco histórico para refletir sobre seu legado e continuar sua luta pela liberdade religiosa, respeito à diversidade e valorização das tradições afro-brasileiras.
Por Ana Gualberto
Egbom d’Osun Ofá Omi Layò
Mestre em cultura e sociedade
Diretora Executiva de KOINONIA
Referências
[1] https://www.gov.br/palmares/pt-br/assuntos/noticias/mae-stella-de-oxossi-90-anos-de-vida-sete-decadas-de-lutas-contra-a-intolerancia