Desinformação sobre religião nas mídias sociais

Recebemos no Coletivo Bereia conteúdo publicado em newsletter e em mídias sociais de uma empresa de pesquisa, marketing e consultoria para o mercado de nome Casa Mundo, em 15 de maio de 2025. Sob o título “Deus já é filho do algoritmo. A religião e seu rebranding. A fé virou palco — e o púlpito, ring light”, o texto defende o fenômeno da “convivência do sagrado com a estética do marketing digital”, com “a religião” assumindo “novas roupagens”. Com título tão chamativo e imagem impactante, a publicação se mostra com amplo alcance.

Nada do que é indicado aí em termos de novas tendências religiosas na relação da fé com o mercado é falso: igrejas que adotam rebranding, cultos-show, intenso consumo digital de conteúdo religioso, viralização de casos como o do “pastor-mirim”, o mercado e o consumo evangélico, o movimento evangélico Legendários como produto, a estética de startup de igrejas, a fé como autoajuda via coaches evangélicos, lives e outros produtos digitais evangélicos para consumo de público amplo.

Temos, de fato, um fenômeno religioso aí identificado! Como quem leu até aqui este texto deve ter visto, os termos “igrejas” e “evangélicos” dominam o objeto de análise da pesquisa. Porém, o que este material comunica? É uma avaliação generalizada, a partir do que é listado, da fé, da espiritualidade e da “religião”, para tratar de um fenômeno específico que envolve, na realidade, uma parcela de evangélicos, seja das chamadas “igrejas descoladas/cool”, do coaching religioso, dos profetas pentecostais, da reação às pautas identitárias, ou do mercado da religião.

Porém, longe de especificar o fenômeno, como é feito aqui (e vale repetir, que é fato e pode ser comprovado em pesquisas científicas), a publicação generaliza os casos levantados como se pertencessem a todas as religiões, fés, espiritualidades.

Sobre a fé, de forma genérica, a mensagem faz uso da expressão: “A fé já não habita apenas os templos. Ela migrou para os palcos, para os stories, para os feeds”.

Sobre religião, como um termo amplo, é dito: “No Brasil contemporâneo, onde o sagrado convive com a estética do marketing digital, vemos a religião assumir novas roupagens — mais performáticas, mais rentáveis, mais instagramáveis”.

Sobre a espiritualidade, no singular, se afirma “que um dia foi território de silêncio e interioridade, hoje disputa atenção com outras ofertas da economia da experiência. E para se manter relevante, ela também aprendeu a se vender”.

Sobre as igrejas, descartadas as particularidades do mosaico que compõem, a publicação diz que “deixaram de ser apenas comunidades de fé e passaram a operar como startups do espírito: com lançamentos, eventos imersivos, planos de engajamento e produtos exclusivos que prometem uma conexão premium com o divino”.

Além de compreender as religiões e as igrejas como elementos homogêneos, desconsiderando a diversidade que as caracteriza internamente e entre elas, o texto expõe uma noção equivocada da fé e da espiritualidade como elementos interiorizados e estáticos (“dentro dos templos”, “silêncio” e “interioridade”). Nesse sentido, na pesquisa da Casa Mundo não há pluralidade de experiências religiosas, não há fé e espiritualidade dinâmica, ativa, para fora, relacional, nas ações múltiplas, como qualquer observação para além dos perfis de mídias sociais é capaz de revelar. O destaque da midiatização mercantilizada da fé por uma parcela de evangélicos é apresentada como um todo para se estimular o consumo de bens e serviços de etiqueta religiosa.

Eis como se constrói nas mídias digitais desinformação sobre religiões e suas dinâmicas. E assim a instrumentalização política e mercadológica da religião, com estímulo a intolerâncias, vai se aprofundando.

Por Magali Cunha
Associada de KOINONIA, pesquisadora em Religião e Política, jornalista e editora-geral do Coletivo Bereia

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