Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira (MUNCAB) recepciona as internas do Conjunto Penal Feminino de Salvador para o Lançamento da Cartilha Assistência Religiosa de Matriz Africana

Na dia 5 de maio, as internas do Conjunto Penal Feminino de Salvador tiveram uma tarde diferente. Elas puderam visitar duas exposições no Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira: Encruzilhadas da Arte afro-brasileira e Òná Írín: Caminho de Ferro. A primeira, sob a curadoria de Deri Santana, reúne mais de 150 obras de mais de 60 artistas, oferecendo um panorama da produção negra no Brasil; e a segunda, que apresenta obras da artista Nádia Taquary, com curadoria de Marcelo Campos, Amanda Bonan e Ayrson Heráclito, reflete sobre ancestralidade, o feminino sagrado e a trajetória dos povos africanos nas Américas.

Após a visita guiada, as internas dirigiram-se ao espaço educativo onde participaram do lançamento da Cartilha Assistência Religiosa de Matriz Africana, publicação de KOINONIA em parceria com lideranças religiosas do axé que estão realizando o trabalho de assistência no Conjunto Penal Feminino de Salvador.

“Para além de um passeio para elas, [a visitação ao museu foi] um cheirinho de liberdade que elas tiveram. Elas foram selecionadas para aproveitar esse momento e também tiveram o aprendizado artístico sobre o axé, sobre os orixás, algo que muitas delas talvez nunca fossem vivenciar se não fosse pelo pedido de KOINONIA”, avaliou Mãe Vilma de Odé, liderança religiosa que compõe o GT de Assistência Religiosa de Matriz Africana no Conjunto Penal Feminino de Salvador.

 Após a apresentação do conteúdo da cartilha e incentivada a leitura, que poderá ser utilizada para fins de remição de pena, foi realizada a entrega das carteiras dos assistentes religiosos de matriz africana pela Diretora do Conjunto Penal Feminino de Salvador às lideranças de axé que estão realizando o trabalho de assistência religiosa na unidade.

Segundo o Ogan e Professor Elias Conceição, a entrega da documentação “significa uma autorização mais contínua para esse trabalho ser feito dentro do presídio. A ação tem uma dimensão para além dessa questão da religiosidade, é imensurável porque demonstra um compromisso da própria instituição penal”.

O encerramento do evento foi com um lanche preparado com alimentos tradicionais, partilhado entre as internas e agentes, fortalecendo o sentimento de pertencimento ancestral com a identidade afro-brasileira sem perder de vista o legado africano nas artes e na culinária, experenciados através das exposições de obras de arte e na partilha da refeição.

“A mesa de doces e salgados afro-brasileiros foi posta pra elas no final, fechando a atividade com chave de ouro, porque tudo que diz respeito ao axé sempre termina com o prazer de degustar os sabores ancestrais”, ressaltou Mãe Vilma.

A Assistência Religiosa é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal e regulamentado pela Lei de Execução Penal. O Estatuto da Igualdade Racial prevê a assistência religiosa de matriz africana para as pessoas privadas de liberdade. Para Mãe Vilma, o trabalho focado nas religiões de matriz africana é sinônimo de acolhimento e força de quem muitas vezes não se sente reconhecido; e quanto mais elas podem se aproximar do axé, da energia, da força do orixá, melhor para seus processos particulares. Na análise de Ogan Elias, já é possível perceber uma evolução a cada encontro, o que incentiva o GT a criar novas estratégias de manter a ação ativa e abrangente. “A cada fala, a cada reunião vemos o quanto isso tem sido proveitoso para aquelas pessoas que estão privadas de liberdade e também para as próprias funcionárias que trabalham no instituto penal, porque há uma interação e demonstração de que todos querem melhorar tendo aquele processo, então para o nosso trabalho isso é também grandioso porque nos dá mais ânimo”, concluiu o Ogan.

Relembre sobre o trabalho de assistência religiosa
No segundo semestre de 2024, KOINONIA iniciou o trabalho de assessoria de lideranças de axé para viabilizar a prestação do serviço de assistência religiosa no sistema prisional, especialmente para as mulheres privadas de liberdade, uma vez que cerca de 92% delas são negras, segundo dados de uma pesquisa realizada pela Defensoria Pública do Estado da Bahia realizada no ano de 2022.

A motivação para a realização deste trabalho se deu pela necessidade de discutirmos sobre Assistência Religiosa nas comunidades de terreiro, a fim de romper com o estigma do cárcere e possibilitar que pessoas privadas de liberdade também possam acessar a assistência religiosa de religiões de Matriz Africana (inexistente na maioria dos espaços de internamento), para além de outras confissões religiosas que já realizam trabalhos de assistência nas casas de custódia.

KOINONIA reafirma seu papel na promoção da liberdade religiosa através da solidariedade ecumênica e defesa dos direitos dos povos de terreiro no combate à intolerância religiosa.

Texto de Camila Chagas, assessora jurídica para Comunidades Negras Tradicionais, e Natasha Arsenio, jornalista em KOINONIA.

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