Durante todo o mês de julho, a equipe do Rio de Janeiro do projeto Comércio com Identidade* se debruçou sobre a sistematização de informações coletadas em diferentes fontes para a produção da cartilha “O que são políticas públicas?”. A proposta surgiu a partir dos diagnósticos realizados nos meses anteriores nas 20 comunidades participantes do projeto, sendo 10 do Rio de Janeiro e 10 na região do Baixo Sul da Bahia.
As visitas em campo permitiram constatar que, de modo geral, as políticas públicas não apenas não são aplicadas nas comunidades negras rurais e quilombolas, como também é extremamente difícil obter informações sobre quais estão disponíveis e como acessá-las.
Segundo Carla Siqueira, consultora responsável pelo levantamento e sistematização das informações sobre políticas públicas voltadas ao desenvolvimento local, as informações muitas vezes são confusas, desatualizadas e dispersas nos sites governamentais.
“Fiquei impressionada com a dificuldade de encontrar informações consistentes sobre os procedimentos para acessar as políticas. Além disso, é quase impossível saber quantas comunidades ou pessoas quilombolas já as acessaram”, lamenta.
Essa lacuna foi o que motivou a produção da cartilha, que inclui uma seção sobre o que são políticas públicas em geral, como são elaboradas e dicas de como as comunidades podem e devem participar em todas as etapas, desde a sua criação até o monitoramento e avaliação de sua eficácia. A ideia também envolve a realização de oficinas para que as informações sejam apresentadas às lideranças.
“A cartilha e a oficina fazem parte do processo de formação das comunidades. As lideranças e associações quilombolas precisam estar preparadas para exigir políticas para melhoria da qualidade de vida e também que potencializem sua identidade e seus processos de produção e comercialização, foco do projeto”, declarou Ana Gualberto, coordenadora geral do Comércio com Identidade.
Oficina no Baixo Sul da Bahia
Nos dias 30 e 31 de julho, a equipe Bahia organizou a oficina sobre políticas públicas no município de Camamu, reunindo nove comunidades integrantes do projeto: Mariana, Dandara, Laranjeira, Jatimane, Tapuia, Limoeiro, Pedra Rasa, Jetimane/Boa Vista e Barroso.
A atividade iniciou com a discussão mais geral sobre políticas públicas e a importância do protagonismo das comunidades no acesso a elas, sendo que alguns serviços essenciais apresentam especificidades para comunidades quilombolas, como de educação e saúde. O momento seguinte retomou os mapas socioambientais produzidos em atividades anteriores do projeto. Cada comunidade pôde falar de sua realidade, fortalezas e fragilidades, incluindo as políticas que acessam.
Políticas para o desenvolvimento local
A etapa seguinte foi dedicada às chamadas políticas de desenvolvimento local, geralmente associadas ao acesso ao crédito e compras públicas. As lideranças tiveram dificuldade em entender o programa de créditos do Programa Nacional de Reforma Agrária, gerido pelo Incra. Muitas não haviam escutado falar sobre ela, mas logo entenderam a importância do cadastramento.
Já os programas de compras do governo, o PAA e o PNAE, eram conhecidos pela maioria das pessoas presentes, sendo que algumas já tinham experiência nelas. A equipe contou com a participação de José Domingos Santos, representante do Polo Sindical de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais do Baixo Sul. Durante a roda de conversa, ele e outras lideranças sindicais apontaram a importância do cadastro para o acesso a políticas públicas. As comunidades, porém, sinalizaram que a dificuldade em reunir a documentação das famílias e das associações, a falta de engajamento da comunidade e as péssimas condições das estradas continuam sendo grandes empecilhos para o desenvolvimento seguro e efetivo dessas políticas.
No segundo dia, José Ramos, representante regional da Coordenação Nacional Quilombola (Conaq), participou da oficina e enfatizou que as comunidades do Baixo Sul precisam se conscientizar da riqueza e potência do território, com sua flora, fauna, frutas, hortas, sazonalidade e equilíbrio entre chuva e sol. Segundo ele, programas como PAA, PNAE, PNRA, entre outros, não têm sido aproveitados porque muitas comunidades e famílias nem têm ciência de que existem.
“O acesso a essas políticas públicas pode potencializar ainda mais a região e suas terras para comercialização de produtos, a fim de gerar a soberania alimentar e desenvolvimento familiar e comunitário”, ressaltou José.
A atividade encerrou com a apresentação dos grupos de trabalho sobre quais políticas públicas são mais necessárias, quais problemas o quilombo precisa resolver na atualidade e quais parcerias devem buscar para ajudar no acesso dessas políticas.
Depoimentos refletem a importância do tema para a melhoria de vida das comunidades
“Foi um encontro muito bom. Conheci outras pessoas, histórias de outras comunidades. Foi importante saber que existem projetos e políticas públicas para minha comunidade que ainda não conhecemos, mas podemos acessar. Saber que a gente pode mudar a situação de nossa comunidade junto com a associação comunitária.” (Alexanda Ferreira, Comunidade Dandara dos Palmares)
“Eu achei super informativa e essencial a atividade. Já tinha ouvido sobre certas políticas, mas não achava que poderia chegar pra a gente aqui na comunidade. Agora sei que é possível que cheguem, porque é direito nosso.” (Rosana Conceição, Comunidade Quilombola de Laranjeiras)
“Muito boa a oficina. Agora sabemos que existem muitas linhas de crédito e nos mostraram o passo a passo de como acessar. Mas quero pedir que as atividades do projeto continuem trazendo informações sobre nossos direitos.” (Zenildo Araújo dos Sanrtos, Comunidade Jetimana/Boa Vista)
Oficina no Rio postergada
A equipe do Rio de Janeiro estava com tudo pronto para realizar a oficina no município de Cabo Frio, mas alguns eventos violentos, distintos e infelizes, com a morte de duas pessoas em duas comunidades na Região dos Lagos, não permitiram que a atividade ocorresse em segurança. A próxima data prevista para a realização da oficina será somente em setembro.
Até lá, a ideia é mobilizar as comunidades das regiões da Costa Verde e do Sul do estado, buscando fechar o diagnóstico.
*O projeto Comércio com Identidade é financiado com recursos advindos do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Grupo Carrefour, o Ministério Público Federal e organizações da sociedade civil para a implementação de projetos de combate ao racismo. Saiba mais em: https://www.grupocarrefourbrasil.com.br/nao-vamos-esquecer/.