25 de Julho • Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

Fortalecimento das lutas coletivas das Mulheres Negras no Baixo Sul da Bahia, Camamu acolheu um momento de celebração e luta histórica e ancestral por poder, liberdade e justiça

Por Josy Azeviche

25 de julho é a data em que celebramos  o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha. No Brasil o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra , instituídos, por meio da Lei 12.987/2014, a data é um convite à reflexão sobre o significado das lutas históricas, avanços e de onde as mulheres negras ainda precisam e desejam chegar para garantir a superação da SOBREVIVÊNCIA, na luta pelo DIREITO A EXISTÊNCIA com dignidade!

Parafraseando Lélia Gonzalez, um símbolo de luta, resistência e inspiração pra muitas mulheres negras, fica o convite a reflexão: Em uma sociedade cuja  divisão racial e a divisão sexual do trabalho são sistematicamente reorganizadas para que a população negra seja subalternizada a trabalhadores de segunda categoria, no conjunto dos trabalhadores já por demais explorados. Em uma sociedade onde o racismo e o sexismo, enquanto fortes sustentáculos da ideologia de dominação fazem dos negros e das mulheres cidadãos de segunda classe, não é difícil visualizar todas as camadas de opressão que atravessam os corpos das mulheres negras.

Atividades Marcam o Julho das Pretas na Bahia

Neste momento de evidenciar as lutas históricas e ancestrais realizadas pelas mulheres negras no enfrentamento a todas as formas de opressão e subjugação das suas vidas, KOINONIA reafirma o seu compromisso em defesa da vida, em denunciar e combater as desigualdades de gênero e raça, na promoção de incidência política que resultem em políticas públicas para o enfrentamento a realidade de exclusão a que estão sujeitas as vidas e corpos de grande parte da população negra.

Começamos o mês com uma campanha em nossas redes sociais, que evidenciou lutas coletivas, mulheres negras símbolo de resistência, compartilhamos cultura, arte, indicações de leitura, realizamos enquetes, uma forma de promover interação e disseminar conhecimento sobre essa mobilização que está em sua 10ª. Edição

A Voz do Axé realizou o IV Ajô das Pretas com apoio de KOINONIA

No dia 13 de julho, o Programa A Voz do Axé realizou o IV Ajô das Pretas, no CENPAH, em Sussuarana, Salvador. Em parceria com KOINONIA, atividade contou com, uma roda de conversa com o tema: A autonomia das mulheres negras e seus saberes em suas comunidades. A nossa educadora Candai Calmon, colaboradora em KOINONIA, esteve presente e enfatizou a importância do trabalho realizado pela organização especialmente em territórios quilombolas, ao longo de seus 30 anos de existência. O evento contou ainda com apresentações culturais e uma homenagem a Antônia Elita, ativista social do bairro de Sussuarana, mobilizou crianças, jovens e mulheres negras da comunidade para debater políticas públicas inclusivas.

Mulheres Negras do Baixo Sul: Unidas por Poder, Liberdade e Justiça

No último dia 25 de julho, o município de Camamu acolheu uma importante celebração: o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, Dia Nacional de Tereza de Benguela a culminância do “Julho das Pretas”. O evento reuniu mais 60 mulheres e jovens de 20 comunidades negras e quilombolas dos municípios de Camamu, Maraú e Igrapiúna, destacando a força, resistência e protagonismo das mulheres negras em uma luta histórica pelo direito a EXISTÊNCIA.  A programação contou com um café solidário, promovendo a partilha e a união entre as participantes.

Em seguida, uma roda de conversa foi realizada, envolvendo diversas instituições e organizações como a AMNB Articulação de Mulheres Negras do Baixo Sul, KOINONIA, SASOP, Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Camamu, CPP, CEJUSC, Semas, CREAS, , terreiros de religião de matriz africana e a Quinta Feminista. Durante a roda, foram compartilhadas falas emocionantes, poesias e depoimentos de mulheres negras das comunidades rurais, ressaltando suas experiências na luta pela sobrevivência e todos os desafios que atravessam seus corpos-territórios.

Mulheres Negras em Marcha em Camamu

A atividade também incluiu uma oficina para a confecção de cartazes com frases de impacto sobre os diversos tipos de violência de gênero além do feminicídio. Esta ação visou dar voz às mulheres em suas subjetividades e diversidades para expressar suas dores, denúncias e reivindicações em busca do BEM VIVER.

O ponto alto do evento foi à passeata pelas ruas de Camamu, reuniram mulheres, jovens, homens e representantes das organizações marcharam até o fórum da cidade. Durante a caminhada, foram distribuídos panfletos informativos à população. A manifestação culminou em uma grande roda em frente ao fórum, onde foram proferidas falas de repúdio às violências e desigualdades enfrentadas pelas mulheres negras, além da apresentação de um mosaico de cartazes.

Rede de Mulheres Negras da Bahia: comemora 3 anos da Casa da Mulher Negra

Já no dia 26 de julho, a Rede de Mulheres Negras da Bahia deu continuidade às ações do “Julho das Pretas” com a comemoração dos três anos da Casa da Mulher Negra. O evento reuniu diversas organizações que integram a Rede de Mulheres e seus parceiros, celebrando o fortalecimento e a união das mulheres negras da região, e Ana Celsa, articuladora KOINONIA nos representou nos dois momentos.

No dia seguinte, 27 de julho, foi realizado um seminário na Biblioteca Central com o tema “Perspectiva do Movimento de Mulheres Negras após 10 Anos da Marcha”. O seminário contou com a participação de membros da Rede, coletivos, instituições e organizações do movimento antirracista e de mulheres negras, além de terreiros de religiões de matriz africana. O evento visou fortalecer a organização de mulheres negras para a Marcha de Mulheres Negras em 2025, com rodas de conversa, falas, cantorias, poesias e depoimentos. Os coletivos e organizações de mulheres negras foram orientados a avançar na mobilização e organização em seus territórios. A preparação para a marcha de 2025 inclui a realização de várias caravanas nos territórios, com o intuito de capacitar, fortalecer politicamente e construir as pautas de reivindicação das mulheres negras que participarão do evento.

Representatividade e Inspiração: Tereza de Benguela

A celebração do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha é também uma homenagem a figuras históricas como Tereza de Benguela, liderança do Quilombo do Piolho, um dos maiores quilombos do Mato Grosso, o comando da estrutura econômica, administrativa e política do quilombo por Tereza foi fundamental para a sobrevivência e manutenção da comunidade durante duas décadas, sua coragem ainda hoje inspira as mulheres negras no combate as desigualdades, frutos de uma sociedade construída sobre dor, lágrimas e sofrimento promovidos pela escravização, mas que também ressalta a coragem de grandes heroínas que anônimas ou não, oportunizaram VIVER O SONHO DA LIBERDADE pela população negra.

Desafios Atuais das Mulheres Negras

As mulheres negras seguem marginalizadas, com seus corpos atravessados pela discriminação racial e de gênero. A exclusão social, e exploração sexual e econômica são realidades persistentes ainda hoje. Dados do IBGE (2019) mostram que mulheres negras recebiam em média 44% do rendimento de homens brancos. Além disso, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) de 2018 revelou que apenas 17,1% das mulheres negras tinham ensino superior completo, comparado a 36,1% das mulheres brancas.

Ainda segundo dados extraídos do Painel Lattes do CNPq utilizados em uma análise realizada pelo instituto Ponto Elas, com informações coletadas até 5 de julho de 2024. As mulheres representam a maioria dos pesquisadores brasileiros (53,8%), com base nos registros de currículos na Plataforma Lattes. Sendo que a maior parte das pesquisadoras tem o mestrado acadêmico como nível de formação. É latente a baixa representatividade racial dentre as pesquisadoras brasileiras. Mais da metade (64%) são brancas; pretas e pardas contabilizam 27% do total. Mulheres indígenas são minoria (0,3% dos registros). Temos ainda a sub-representatividade no mercado de trabalho, menores salários, dificuldades no acesso à educação e a violência são problemas graves. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a taxa de homicídios de mulheres negras aumentou 12,4% entre 2008 e 2018, enquanto a de mulheres não negras foi de 11,7%.

A Sub-representação das Mulheres Negras nos espaços de política institucional

Dados do Tribunal Superior Eleitoral mostram que em 2020, apenas 13,3% das candidatas eleitas na Bahia eram mulheres, colocando o estado na 23a posição em representação feminina. Em Salvador, a realidade é ainda mais grave, com uma representação mínima de mulheres negras na Câmara Municipal, temos apenas quatro mandatas exercidas por mulheres negras, a cidade mais negra do mundo fora da África nunca conseguiu eleger uma pessoa negra para a prefeitura. Este cenário reflete não apenas o racismo estrutural, mas a misoginia que está enraizada em nossas instituições políticas.

Por resistência incessante e reconhecimento da luta ancestral

É na Bahia que a independência do Brasil se estabelece, o estado é o berço de resistência e referência da luta por liberdade, e ainda assim é inegável a “legalização” do genocídio, a banalização da morte e o fortalecimento cada vez mais estratégico das articulações que buscam perpetuar a subalternização da população negra.

O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha é um momento de celebrar a resistência, a ancestralidade e a luta histórica das mulheres negras em busca da superação das desigualdades. Além de ser um chamado a reflexão que a reparação, equidade de direitos e oportunidades é uma luta contínua, que exige a mobilização de todas as pessoas para construir uma sociedade menos desigual.

Para refletir e agir contra as injustiças e iniquidades que ainda afligem e atravessam os corpos das mulheres negras, é fundamental continuar a promover espaços de diálogo, denúncia e resistência, inspirando futuras gerações a seguir os passos de líderes como Tereza de Benguela, Luiza Mahin, Lélia Gonzalez, Carolina Maria de Jesus, Beatriz Nacimento, Luiza Bairros, Marielle Franco, Mãe Bernadete Pacífico dentre tantas outras mulheres anônimas guerreiras brasileiras.

Nós Mulheres Negras estamos de pé, sigamos em marcha na luta por reparação e pelo Bem Viver!

Fontes: Geledes, Politize, Ponto Elas