Visitas a campo revelam oportunidades e desafios de comunidades quilombolas do Rio de Janeiro e Bahia

Por Rosa Peralta – Assessora para Relações Institucionais de KOINONIA
Revisado por Natasha Arsenio, Jornalista de KOINONIA

Fios do desejo na comunidade de Jetimana/Boa Vista, em Camamu (BA). Foto: Acervo KOINONIA

As equipes de KOINONIA foram a campo no mês de maio para identificar as principais potencialidades e desafios das comunidades quilombolas que participam do projeto Comércio com Identidade*, que visa fortalecer os empreendimentos locais com vistas à geração de renda.

As estratégias foram distintas nos dois estados: na Bahia, fizemos atividades em cada comunidade, percorrendo cinco delas, replicando a mesma metodologia, que consistiu na roda de exposição e diálogo com papéis, cartolinas, lápis de cores e colas para construção dos mapas territoriais. Utilizamos também a dinâmica “Fio dos Desejos”, através da qual foi colocada a intenção de cada pessoa participante e as expectativas em relação ao projeto vigente.

Mapa da comunidade de Tapuia, em Camamu (BA). Foto: Acervo KOINONIA

As visitas na Bahia ocorreram entre os dias 8 e 15 de maio em 5 comunidades da região do Baixo Sul: Barroso, Tapuia e Jetimana/Boa Vista, no município de Camamu; Jatimane, no município de Nilo Peçanha; e Limoeiro, no município de Igrapiúna.

Oficina na comunidade quilombola Barroso, Camamu (BA). Foto: Acervo KOINONIA

No Rio de Janeiro, a equipe do projeto organizou um encontro na comunidade de Boa Esperança, situada no município de Areal, região serrana do estado. O encontro se realizou nos dias 25 e 26 de maio e exigiu grande mobilização e logística para levar representantes de outras quatro comunidades: Fazenda Espírito Santo e São Jacinto, ambas localizadas em Cabo Frio; Prodígio, em Araruama; e Maria Conga, localizada em Magé.

A construção de mapas socioambientais – uma estratégia de diagnóstico participativo
O objetivo principal das atividades em campo foi a construção de mapas socioambientais de cada uma das 10 comunidades visitadas, possibilitando, assim, conhecer as diversas realidades locais. A partir do desenho dos mapas, as representantes das comunidades puderam apontar os locais de moradia, as condições de acesso às comunidades, as áreas de vegetação e de produção, as nascentes, morros e os equipamentos presentes nos territórios, como escola, posto de saúde, igrejas, casas de farinha, entre outros.

A construção dos mapas gerou um clima de descontração que incentivou a participação de todas as pessoas presentes, o que favoreceu a discussão mais adiante sobre as fortalezas e desafios que as comunidades enfrentam, principalmente no que se refere ao acesso a políticas públicas. Além disso, cada comunidade apontou os atores presentes nos territórios, públicos ou privados, tanto os que contribuem quanto os que criam obstáculos à efetivação dos direitos quilombolas.

A atividade mostrou ainda a importância de as comunidades pararem para refletir sobre os seus contextos, avaliando as principais características, os pontos positivos e negativos. Ao final do encontro em Areal, por exemplo, a comunidade de Boa Esperança montou seu acervo de fotos representando a memória e as conquistas da comunidade (o que chamam de Museu Ambulante Do Quilombo) e fizemos uma breve visita a certos pontos do território, identificando lugares de orgulho, mas também que precisam melhorias.

Museu ambulante da comunidade anfitriã Boa Esperança, em Areal (RJ). Foto: Acervo KOINONIA

Ao compartilhar essas informações, os participantes criaram ainda um sentimento de conexão e solidariedade também entre as comunidades. Algumas lideranças até ofereceram ajudar as outras a solucionarem problemas que conseguiram superar. Além disso, foi criado um grupo no WhatsApp com as principais lideranças no qual compartilham fotos, links de redes sociais e anúncios de eventos promovidos pelas comunidades. Em maio, a comunidade Santa Justina/Santa Izabel, em Mangaratiba, promoveu o 3º Festival da Banana, enquanto, nos dias 8 e 9 de junho, o quilombo de Boa Esperança realizará o 3º Festival Beleza do Quilombo.

Valorização da identidade quilombola
Como o próprio nome diz, o projeto Comércio com Identidade tem como um dos principais componentes a reafirmação e a valorização da identidade quilombola. É preciso que a sociedade aprenda a respeitar e valorizar os saberes ancestrais dessas comunidades que até pouco tempo estavam invisibilizadas.

Atividade de reflexão sobre identidade quilombola durante encontro na comunidade de Boa Esperança, Areal (RJ). Foto: Acervo KOINONIA

Esse movimento de releitura da história, de luta contra o racismo, é especialmente importante para engajar a juventude dessas comunidades, que muitas vezes ainda hesita em reconhecer publicamente sua identidade.

Para Iasmine, da comunidade de Maria Conga, em Magé, o exercício de construção do mapa socioambiental, a reflexão sobre fortalezas e fraquezas e a discussão sobre o que é ser quilombola permitiu aflorar uma característica que nem sempre é lembrada. “Aqui pudemos relembrar que, apesar de tantas dificuldades, o nosso território é um lugar de muita paz, onde nos sentimos em segurança. E isso é bastante forte e valioso para seguirmos na resistência”.

Mapeamento do território, das fortalezas e fraquezas da comunidade de Maria Conga, Magá (RJ). Fotos: Acervo KOINONIA e Regina Soares

Para Dona Vera, da comunidade de Prodígio, em Araruama, a experiência da visita à comunidade de Boa Esperança é muito rica. “A gente aprende muito, entende que não estamos sós nessa luta”.

Próximos passos
A partir dos mapas, foi possível avançar no diagnóstico de cada comunidade participante do projeto. Os dados coletados servirão como insumo para as próximas atividades, que incluem a definição das atividades econômicas que serão impulsionadas, as necessidades de assistência técnica específicas e as pessoas que estarão diretamente envolvidas.

A equipe de KOINONIA já começou a identificar parcerias que podem contribuir com a dinamização dos empreendimentos locais. Nos últimos tempos, estabelecemos contato com o Incra e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para acompanhar de perto os processos de regularização fundiária das comunidades e discutir oportunidades de inclusão delas em mecanismos de compras públicas.

É preciso, no entanto, seguir aprofundando a discussão sobre políticas públicas e sobre possíveis soluções individuais e coletivas dos desafios, tanto relacionados à produção e comercialização, como os ligados à melhoria da qualidade de vida em termos sociais e ambientais. Afinal, para comunidades tradicionais, essas dimensões são indissociáveis.

Representantes da comunidade de Boa Esperança apresentam seu mapa socioambiental. Foto: Acervo KOINONIA

*O projeto Comércio com Identidade é financiado com recursos advindos do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre o Grupo Carrefour, o Ministério Público Federal e organizações da sociedade civil para a implementação de projetos de combate ao racismo. Saiba mais em: https://www.grupocarrefourbrasil.com.br/nao-vamos-esquecer/.
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