Por Rosa Peralta
Assessora para Relações Institucionais de KOINONIA
Diversos veículos de comunicação divulgaram com entusiasmo a notícia do reconhecimento oficial pelo Incra do quilombo Pitanga dos Palmares, situado entre os municípios de Simões Filhos e Candeias, na região metropolitana de Salvador, Bahia. As matérias imprimem uma sensação de que a justiça foi feita para Mãe Bernadete, liderança brutalmente assassinada em outubro de 2023. Infelizmente, não é bem assim.
Embora seja um avanço no processo de regularização fundiária do território, é importante entender que esse reconhecimento não significa que a comunidade tem o título nas mãos. Na verdade, muitos anos podem decorrer até a titulação seja concluída, conforme determina o Artigo 68 da Constituição Federal e o Decreto 4.887/2003.
E isso não se aplica apenas ao caso de Pitanga dos Palmares, mas a todos os processos de regularização fundiária.
Trocando em miúdos
A portaria assinada pelo Presidente do Incra marca o encerramento do longo processo de identificação dos limites da comunidade (647 hectares). Porém, a partir daí, a regularização pode enveredar por diferentes caminhos, a depender das especificidades da comunidade.
No caso em questão, partes do território estão sobrepostas a títulos de particulares. Para tentar resumir (ver em detalhe no site da CPI-SP), essas parcelas terão que ser desapropriadas, e os proprietários serão indenizados pelo Estado. Para tanto, é preciso passar pela etapa de ajuizamento da ação de desapropriação, que está fora da alçada do Incra e, como todo processo no judiciário, não tem data definida para ser concluído. O Incra então será imitido na posse dos imóveis para que posteriormente seja feita a demarcação física e só então emitido o título, que ainda precisará ser registrado em cartório. Em Pitanga dos Palmares também há a presença de algumas dezenas de pessoas posseiras, que precisarão ser reassentadas.
A comunidade de Pitanga dos Palmares foi certificada pela FCP em 2004, abriu seu processo no Incra em 2008. Portanto, vinte anos, inúmeros conflitos e dois assassinatos brutais depois, a comunidade e a sociedade como um todo ainda precisam pressionar o Estado para que as famílias quilombolas possam enfim concretizar seu direito à propriedade.
Como vimos, o processo de titulação de territórios quilombolas é extremamente moroso e vem se complexificando ao longo do tempo, o que se reflete nos números pífios de comunidades tituladas no Brasil desde 1988. Das mais de 6.000 comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares, 1.797 têm processos abertos no Incra e apenas 242 foram efetivamente tituladas.
Apesar das mais diversas justificativas dadas pelo governo e vários órgãos competentes e governos, sabemos que a morosidade e a complexidade são em grande parte uma escolha política, de preservar interesses de empreendimentos públicos e privados em detrimento dos direitos das comunidades em todo o país.
Em seu terceiro mandato, o governo Lula entregou seis títulos de terras quilombolas, sendo que todos foram títulos parciais.
O que nos lembra que não é hora de baixar a guarda!