Indignação, Ação e Fé

Arte: Reprodução da Internet

Por Ana Gualberto

Hoje, dia 02 de fevereiro, adoraria abrir o computador para escrever sobre coisas boas, a energia mágica de Yemonja que toma conta da cidade de Salvador e tal, da festa, do meu incômodo com os turistas que negam a negritude da Orixá, Inkissi, Vodun, mas vou escrever sobre dor e indignação.

Confesso que não tive coragem de ver os vídeos da família de Moise Mugenyi, jovem congolês torturado e assassinado na Barra da Tijuca (RJ). Simplesmente me faltou, e continua a faltar, coragem de ouvir e ver. Moise vem ao Brasil para fugir da guerra instaurada no Congo e é vítima da guerra do racismo, da falta de humanidade. Como explicar isso?

Tivemos uma onda desde o assassinato de George Floyd de visibilização dos crimes brutais que o racismo permite cotidianamente. Aqui no Brasil, João Alberto Freitas, Bruno e Yan Barros da Silva, mortos nos supermercados, as crianças Lucas Matheus, Alexandre e Fernando Henrique, desaparecidos por meses até a polícia concluir que foram assassinados, isso trazendo três exemplos. Trago estes exemplos para elucidar o quanto continuamos a não ser vistos como gente, pessoas, humanos, cidadãos. E nesses três casos são brasileiros… Imagina para um africano… Como ele se atreve a cobrar os dias trabalhados? Como ele se atreve a achar que tem direitos?

Lamento profundamente que os sonhos de um jovem migrante se acabem deste jeito, que sua família sofra a perda prematura e bárbara deste jovem. Lamento do fundo de minha alma. São muitas mulheres e homens negros chorando suas perdas, clamando por justiça, com suas vidas impactadas para sempre com os efeitos monstruosos do racismo.  

O racismo continua a negar nossa humanidade e a tentar apagar nossa existência. Continuamos a não ser vistos pelos nossos, são por muitas vezes mãos negras que puxam os gatilhos, impunham os paus e pedras, constroem os textos que nos ferem pelas redes sociais. O racismo faz com a gente não se enxergue no outro e na outra, ele constrói que a humanidade é branca, destrói nossa empatia, busca a todo tempo anular nossa história e nossa identidade.


São muitas artimanhas do racismo, mas tudo o que é construído pode ser modificado.


A pauta antirracista tem sido apontada por várias pessoas, organizações, coletivos como se fosse apenas escrever em suas redes sociais que são comprometidas e contra o racismo. Entretanto, a pauta antirracista requer mudanças profundas, desde entender-se enquanto racista até abrir mão de privilégios e poder. Não vou me aprofundar nas etapas, recomendo que leia Grada Kilomba, Memórias da Plantação, em que ela faz uma compilação de episódios cotidianos de racismo, escritos sob a forma de pequenas histórias psicanalíticas. Ela pontua desde as políticas de espaço e exclusão às políticas do corpo e do cabelo, passando pelos insultos raciais. Neste livro ela desmonta, de modo incisivo, a normalidade do racismo, expondo a violência e o trauma de se ser colocada/o como outra/o. Leia a Grada e leia também as escritoras/es brasileiros que estão produzindo demais. Vou colocar uma listinha no final deste textinho. Mas voltando à minha reflexão inicial: ser antirracista é mudança de atitude, é assumir que sim, também reproduzo o racismo, sim fui e sou omisso em diversas ocasiões… Mas, de posse desta constatação, o que faço? Esse é a questão: Mudança.


E aí não adianta ficar perguntando para nós, as pretas, o que fazer e como fazer. Tenho que dizer que isso é chato demais, cansativo demais. Não fomos nós que criamos o racismo, mas a gente é bem generoso e quer o mundo para todas as pessoas, então a gente até ajuda a resolver. Aliás, é o que mais temos feito desde nossa chegada neste continente por meio de sequestros. É preciso assumir seu B.O. para poder resolvê-lo. É preciso mudar as atitudes para destruir o racismo, ir muito além das falas e dos posts nas redes sociais. Olhar a seu redor e ver onde estão as pessoas negras, compreender que as estruturas são criadas e, portanto, podem e devem ser modificadas. E que isso é nosso papel enquanto sociedade.


Onde estaria você nos episódios de assassinato destes homens negros acima descritos?


a) ia fingir que não via e seguiria
b) ia questionar se era bandido e, mediante a afirmação, seguiria seu caminho
c) ia fazer o vídeo de denúncia
d) ia tentar impedir
e) outra ação…

A gente precisa pensar porquê isso acontece o tempo todo, ao nosso lado, todos os dias.
Onde você está na construção de uma sociedade menos racista?
E em tempo de ouvir todo mundo gritando “Odoyá”: entenda que esta divindade é negra, é africana. Não é loura, não é morena, é negra! Ela é “a mãe cujo os filhos são peixes”, que acolhe este oceano de diversidade, desde que ela seja respeitada, reverenciada e amada em sua essência.
Tenha piedade de nós Mãe Yemonja, hoje e em todos os dias!!! Odoyá!!!!

Dicas de autoras/es da Ana Gualberto. Vai, ninha/o, se instruir!


Abdias do Nascimento
Beatriz do Nascimento
Fatima Oliveira

Helena Theodoro
Djamila Ribeiro
Lélia Gonzalez
Silvio Almeida
Roseane Borges
Joice Berth
Katiúscia Ribeiro
Carla Akotirene
Benilda Brito
George Oliveira