Brasil, janeiro de 2022.
Carta Pública
Caras entidades e pessoas parceiras na luta por direitos,
KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço vem, por meio desta carta, fazer um apelo em razão da dura realidade das famílias atingidas pelo rompimento das barragens de Fundão, em Mariana (MG), e da mina do Córrego do Feijão em Brumadinho, que completou três anos no último dia 25.
Unimo-nos ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) para reforçar que os dois crimes, provocados pela negligência da Vale, seguem impunes. Enquanto as famílias sofrem com a falta de reparação dos direitos por parte das empresas e governos, com a perseguição e tentativa de criminalização da organização das pessoas atingidas, a Vale ainda fatura milhões à custa da extração de minérios.
O MAB denuncia que, após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, a população local da Bacia do Rio Doce convive com violações de direitos, nenhum reassentamento pronto, indenizações limitadas, enfermidades físicas e psicológicas, além de sofrer ameaças, perseguições e fragmentações na luta. Segundo o movimento, tais situações são favorecidas por um modelo de reparação organizado pelo juiz da 12º Vara Federal de Minas Gerais, Dr. Mário de Paula Franco Júnior, ao estabelecer:
● A prioridade no tratamento individual para o direito à indenização e o direito a reassentamento, abrindo espaço para atuação de advogados com práticas abusivas como captação de clientes e cláusulas abusivas de rescisão de contrato; não utilizando as matrizes de danos elaboradas de forma coletiva por especialistas e equipes de assessoria técnica, e paralisando decisões no processo de reassentamento coletivo da comunidade de Gesteira por dois anos.
● A limitação do trabalho das assessorias técnicas, decidindo que estas não podem realizar coletas de dados primários nem realizar diretamente diagnósticos ou formular matrizes de danos, assim como não podem realizar estudos sobre contaminação ambiental sem pedir permissão ao juiz do caso.
● A perícia judicial para periciar o trabalho das assessorias técnicas, aceitando o pedido das mineradoras de investigação do trabalho de assessoria da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (Aedas) e também de investigação sobre o trabalho do MAB e da Comissão de Atingidos de Barra Longa.
O movimento entende que tais ações da Justiça Federal pretendem criminalizar a organização dos atingidos, cerceando sua liberdade de organização e o estabelecimento de relação com entidades parceiras.
Importante lembrar que em março de 2021, o Ministério Público e as Defensorias Públicas pediram a suspeição do referido juiz acima citado, apresentando provas de conduta deste em favor das empresas e da Fundação Renova, em detrimento da centralidade do sofrimento da vítima e dos direitos. Recentemente, o referido juiz foi transferido para outra vara, para atuar em outra região e em outros casos, antes que sua conduta neste caso fosse investigada e julgada. A esperança é de que o novo juiz do caso venha a contribuir para o avanço da reparação integral na bacia do rio Doce e a população atingida possa voltar a ter esperança.
Estamos no período da jornada de lutas dos três anos do crime da Vale em Brumadinho, e a reparação anda em passos lentos. Ainda existem famílias que não enterraram seus mortos; a reestruturação da vida das milhares de famílias está longe de acontecer; a água do rio continua contaminada com os rejeitos, não podendo ser usada para atividades diárias de sustentação e geração de renda. Não houve, até hoje, punição para esse crime que matou 272 pessoas e atingiu a vida de outras milhares na bacia do Rio Paraopeba. Os atingidos estão adoecidos pela contaminação e mentalmente pela situação, vivenciando o aumento de casos de depressão e suicídios. Mais recentemente neste caso, a empresa Vale estabeleceu um acordo com o governo do estado de Minas Gerais sem a participação dos atingidos. O julgamento do processo criminal contra a empresa Vale foi transferido para esfera federal, o que nos coloca o receio de que seja mais uma manobra para manter a empresa impune.
Somada à difícil situação que se agrava ao longo dos anos, aconteceram as enchentes causadas pelas fortes chuvas, alagando e desalojando milhares de famílias mineiras. As inundações colocam em risco de rompimento outras barragens e trazem de volta o rejeito da mineração, que está dentro dos rios, levando-o para as ruas, casas, fontes de água e áreas de plantio. Isto gera uma nova contaminação pelos metais tóxicos que ficarão após a água baixar. Uma realidade extremamente preocupante que todos os anos se repete.
Manifestamos, dessa forma, toda nossa solidariedade e apoio às pessoas atingidas nessa luta. Finalizamos esta carta fazendo coro às principais reivindicações do MAB:
a) a justiça agir de forma célere em ambos os casos, Mariana e Brumadinho, sem demora na definição das ações relativas à reparação dos atingidos e do meio ambiente;
b) agir sempre prezando pela participação dos atingidos nos processos decisórios;
c) agir de acordo com o princípio da centralidade da dor da vítima e com o princípio da inversão do ônus da prova;
d) garantir a não criminalização dos atingidos;
e) garantir a liberdade de organização dos atingidos.
Seguimos caminhando lado a lado na busca por justiça aos atingidos pelas barragens em Minas Gerais.
Um abraço fraterno,
KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço