Por Franco Adailton
Treze casos de intolerância contra religiões de matriz africana, além de 29 denúncias por racismo, foram registrados este ano, na Bahia, no Centro de Referência Nelson Mandela da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi). As informações foram divulgadas nesta terça-feira, 3, no encontro de lideranças de casas de matrizes afro-brasileiras com a procuradora federal Deborah Duprat, que saiu de Salvador com uma petição que pede a federalização das investigações de casos de depredação de templos no Brasil.
A reunião teve como mote principal o caso de traficantes evangélicos que obrigaram uma ialorixá a destruir o próprio terreiro, no Rio de Janeiro, em setembro passado, mas não deixou de abordar episódios recentes ocorridos também na Bahia, assim como em outros estados brasileiros.
No encontro, também foi abordado o arrombamento do terreiro tombado Hunkpame Savalu Vodun Zo Kwe, em agosto passado, durante uma incursão da Polícia Militar para ocupação do bairro Curuzu, que resultou em danos ao patrimônio do templo religioso.
A ação resultou em um pedido público de desculpas por parte da PM, que se comprometeu a instaurar um procedimento administrativo para apurar a conduta dos policiais, além de reparar os danos provocados pelos agentes de segurança pública.
Procuradora dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal, Duprat se comprometeu a levar as demandas à Procuradoria Geral da República, mas adiantou ser difícil a federalização imediata das investigações, num primeiro momento. “Cada caso é único”, pontuou.
Desconhecimento
Para a procuradora, uma das barreiras frente ao pleito vem do próprio racismo institucional, como resultado do desconhecimento sobre as práticas de natureza das matrizes africanas, inclusive por parte dos órgãos de Justiça país afora.
“Eu entendo a situação ocorrida no Rio como um ato de terrorismo, pois é inconcebível que pessoas armadas obriguem os religiosos a destruírem seus templos”, disse, no Terreiro do Gantois, no bairro da Federação.
Na avaliação da procuradora, o desconhecimento das instituições públicas a respeito das religiões de matrizes africanas tem levado ao descumprimento da liberdade de culto, sobretudo por parte das forças de segurança, como no caso da ocupação do Exército nas favelas do Rio.
“Há uma diferenciação no tratamento institucional. Por exemplo, a Constituição prevê isenção de alguns impostos aos templos religiosos, mas isso não ocorre com o candomblé. A Justiça atua contra a poluição sonora de terreiros, mas os templos católicos tocam o sino às 6h”, completou.
De acordo com o coordenador do Coletivo de Entidades Negras, Marcos Resende, a falta de exemplo dado por algumas instituições no combate à intolerância religiosa associada ao racismo tem fortalecido o ódio crescente à cultura de matriz africana.
“Quando os órgãos de segurança não dão exemplo, assim como a Justiça, faz com que as pessoas se sintam à vontade para cometer o racismo, porque o candomblé, na maioria, é praticado por negros”, afirmou.
Resende diz que denúncias sistemáticas têm surgido sem que haja uma resposta efetiva do Estado como um todo. “Essa violência que aconteceu no Rio, assim como na Bahia, tem ocorrido pelo Brasil inteiro”.
Resende assegura que as comunidades e povos de terreiros deverão levar as denúncias de intolerância à Organização dos Estados Americanos e à Organização das Nações Unidas. “Para que o Estado Brasileiro seja punido pela indiferença dispensada às religiões de matrizes africanas”, diz.
O coordenador do Centro de Referência Nelson Mandela, Walmir França, informou que o núcleo recebeu 315 denúncias desde a fundação, em 2013. Desse total, 217 referentes aos diversos tipos de racismo, enquanto 98 foram ligadas à intolerância.
“Temos nos articulados com os diversos órgãos de Justiça para combater essas práticas, de modo a encontrarmos a paz. Infelizmente, em pleno século XXI, ainda temos que lidar com questões de uma raça, de uma religião, que quer sobrepujar a outra”, pontuou.
FONTE: Jornal A Tarde em 04/10/2017