Situado no Biarro do Cabula, em Salvador (BA), o tradicional terreiro Ilê Axé Opô Afonjá é herdeiro de uma tradição que deve muito ao protagonismo das mulheres afro-relifiosas. É claro que desde a fundação da casa, em 1910, tanto os desafios quanto as lutas delas mudaram. O que não quer dizer que a vida está mais fácil. Hoje o Cabula faz parte da chamada Área Integrada de Segurança Pública (AISP) número 11 da capital baiana, recordista no registro de estupros no ano passado, com 79 casos.
Este é só um dos dados que apontam para um conjunto maior de riscos a que estão submetidas as mulheres que vivem na região. De outro lado, elas próprias têm se organizado para responder a uma situação que no fundo se enraíza na desigualdade de gênero, com manifestações nos espaços públicos e dentro dos lares.
Com histórica atuação de luta por direitos sociais e culturais e sensibilidade às demandas das mulheres de alguma forma ligadas à vida no terreiro, o Opô Afonjá propôs junto com KOINONIA o projeto Candaces. O nome se refere a uma linhagem de nobres mulheres guerreiras que viveu no sul do Egito. E de fato, diante do desafio, parece necessário ter alma de Candace.
“A maioria das participantes é de mães da escola Eugênia Anna, que funciona no terreiro. Como pensamos em abordar inicialmente o tema das mulheres em situação de violência, acabamos, por esse caminho, tendo contato com outros tipos de situações de fragilidade emocional que não deixam de ser conseqüências da violência. Muitas se culpabilizam por violências de que, na verdade, são vítimas. O projeto começa a rever essas coisas junto com elas”, revela Iraildes Nascimento, representante da Associação do Ilê Axé Opô Afonjá e uma das coordenadoras da iniciativa.
O projeto recebeu o apoio da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese) e entre as atividades estão oficinas de estética afro e dança, vídeo-debates e muito, mas muito diálogo entre as hoje 30 participantes. Os temas das rodas de conversa vão dos mecanismos jurídicos de enfrentamento a violência contra as mulheres; participação social feminina negra; até aspectos das desigualdades de raça e gênero e sua articulação com a intolerância religiosa.
O Candaces pretende ainda, a partir da experiência, elaborar um diagnóstico sobre a situação de vulnerabilidade das mulheres, que dará origem a recomendações para o aprimoramento de serviços públicos para as mulheres como os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) e outros.
“Nossa ideia é que surjam outras iniciativas que possam manter o grupo unido ou criem mais espaços parecidos com esse, no sentido de ser livre, permitindo trocas não importando se construído por outras organizações ou grupos”, avaliou Ana Gualberto, assessora do eixo temático Direitos das Comunidades Negras Tradicionais de KOINONIA.