Além de apoiar a ampliação de redes femininas e mistas de economia solidária e comércio justo, a iniciativa quer garantir os direitos dessas mulheres que vêm enfrentando situações graves de violência, complicadas pela baixa efetividade local das políticas públicas de redução das desigualdades de gênero. A distância das instituições públicas que fazem parte da rede de atendimento a mulheres em situação de violência é um dos principais problemas.
No dia 14 de fevereiro, o projeto promoveu a primeira atividade no Mercado Iaô, em Salvador, onde as quilombolas puderam mostrar um pouco do que produzem. Ana Célia, do quilombo do Barroso, comentou o pontapé inicial do Comércio com Identidade: “Conseguimos vender bem e tudo que levamos foi muito bem recebido pelo público. Essas são oportunidade de divulgação dos nossos produtos, de mostrar o que a agricultura familiar tem, o que a agricultura familiar feita pelas mulheres quilombolas tem. E as pessoas percebem a diferença! Além disso, não deixa de ser uma frente de luta porque muitas vezes o agronegócio toma nossos espaços”, reflete.
O investimento principal do projeto é no amplo reconhecimento da identidade quilombola e das desigualdades entre homens e mulheres com um duplo objetivo: consolidar o sentido dessas redes femininas locais como meio de tornar o comércio mais justo, aumentando a presença feminina; e estimular a participação política delas a partir do debate de suas especificidades identitárias e demandas políticas (como, por exemplo, poder contar com a rede de atendimento mesmo em áreas rurais afastadas).
Comércio com Identidade deverá formar ainda um grupo de agentes locais de promoção dos direitos das mulheres e combate à violência, composto por 20 participantes de cada uma das três comunidades. Em relação ao apoio à construção de estratégias de comércio, as quilombolas farão cursos que devem ajudar no acabamento dos produtos, controle de qualidade, mapeamento e definição de parcerias, elaboração de planos de negócio e outros relacionados às atividades que elas já desenvolvem ou têm interesse em desenvolver.
“É mais um momento nessa trajetória de construção de novos saberes com as mulheres quilombolas, fortalecendo os laços de cooperação entre os grupos e contribuindo com o aumento da participação das mulheres no mercado com produtos que têm com diferencial a qualidade e a própria origem”, destaca Ana Gualberto, assessora de KOINONIA e coordenadora do projeto.
A Bahia tem 9,8 assassinatos para cada 100 mil mulheres, aparecendo como o segundo estado mais violento do país, perdendo apenas para o ES. A região de 7,000 km ² conhecida como Baixo Sul tem 14 municípios e uma população de mais de 330 mil. São 39 comunidades quilombolas ao todo, situadas nessa região com índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0.63, abaixo da média nacional de 0.73. Enquanto no país 6% da população vive com menos da metade de um salário, no Baixo Sul 19% das pessoas com mais de 10 anos vivem com essa renda. Entre as Mulheres rurais a situação piora, com 25% delas vivendo com até metade de um salário.
No baixo Sul da Bahia, o trabalho das mulheres e jovens é geralmente desvalorizado e considerado apenas como ‘ajuda’ no campo produtivo. Em espaços de articulação e organização coletiva elas também participam em menor número e com menos influência.