Thiago Ansel
Foto: Márcia Foletto
Por lei, a intolerância religiosa está entre os chamados crimes de ódio, aqueles em que o alvo de uma agressão é escolhido simplesmente por pertencer a um determinado grupo. No Brasil, delitos dessa natureza são inafiançáveis e não prescrevem. No entanto, segundo os últimos dados divulgados pela ouvidoria do Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, entre 2011 e 2012, o número de denúncias de intolerância cresceu mais de 600%. Os estados líderes deste ranking são São Paulo, seguido pelo Rio de Janeiro e Bahia.
No Rio, onde mais de 140 mil pessoas declaram praticar religiões de matriz africana, segundo o Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (Ceplir), da Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), metade das casas de Umbanda e terreiros de Candomblé já sofreram discriminação. O Templo umbandista de Oxossi, em Pilares, na Zona Norte, é um dos locais de culto afro-brasileiro onde este tipo de situação tem se repetido. Segundo seu dirigente, o Pai Marcos Oliveira, a recorrência das agressões aumenta quando sua casa abre as portas nos mesmos dias e horários que um grande templo neopentecostal próximo.
“Constantemente, por estarmos localizados na Av. Dom Helder Câmara, quando a fila normalmente se forma do lado de fora da casa, meus assistentes e as pessoas que estão ali são assediados por frequentadores da igreja. Às vezes jogam óleo no Cruzeiro das Almas, tentam fazer panfletagem, ou atiram seus jornais para dentro da casa”, conta.
De acordo com o Ceplir, que também presta atendimento direto a pessoas que sofrem intolerância, apesar de umbandistas aparecerem com expressividade entre os casos encaminhados, o Candomblé é a religião mais vulnerável à discriminação, representando mais de 10% dos atendimentos. Outro dado que chama atenção é o dos homossexuais evangélicos discriminados em suas próprias igrejas, os quais representam quase 29% dos casos atendidos pelo Ceplir.
Para a pesquisadora do NIREMA-Puc Rio, Denise Pini da Fonseca, que coordenou a pesquisa de mapeamento das casas de religiões de matrizes africanas no Rio de Janeiro, os religiosos de matriz africana são os primeiros alvos de um projeto de poder que vem se estruturando historicamente através de associações que ela chama de religioso-partidárias. “Este poder, que luta por se afirmar, está baseado em um odioso discurso pseudo-religioso, que até se diz cristão, e cujas práticas são fundamentalistas e pautadas na inversão radical do testemunho do Cristo: o amor ao próximo e o acolhimento a todas as diferenças”, afirma Denise que adverte: “Não há que se iludir, logo virão outros alvos: os gays, outras religiões, todas as formas de diferença”.
Plano estadual de liberdade religiosa
Até 3 de março, qualquer interessado pode contribuir enviando sugestões para o Plano Estadual de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos, fruto da ação coordenada entre Superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos (SUPERDIR) da SEASDH-RJ e várias organizações da sociedade civil. O Plano, além do primeiro passo na execução de políticas públicas e serviços visando garantir a liberdade religiosa no Rio, reconhece que é dever do Estado atuar na superação dos conflitos de crença.
Segundo a assessoria de comunicação do Ceplir, a laicidade do Estado significa apenas que este não confessa uma religião e não é regido por normas religiosas. Entretanto, “não desconsidera a expressão religiosa da sociedade, ou ainda a opção de não se ter uma crença”. O plano aborda a questão da liberdade religiosa em diálogo com campos como a saúde, educação, meio ambiente, assistência social, cultura, segurança pública e sistema penitenciário.
“A religiosidade também é um dado da diversidade cultural desse país. Então tem de existir educação sobre direitos humanos, para que as pessoas passem a respeitar essa diversidade. Nesse sentido, o plano estadual é fundamental porque estados como o Rio costumam pautar a opinião pública nacional”, conclui a Mãe de Santo e pesquisadora, Flávia Pinto.
Para Marilia Shüller, assessora do programa Redes Ecumênicas da Sociedade Civil, de KOINONIA, o plano representa um grande avanço, mas o grande desafio é colocá-lo em prática. “Cabe à sociedade civil o papel de divulgar o plano, mas também de monitorar os órgãos responsáveis pela sua efetiva implementação”, pondera.
Enquanto isso, as pessoas que buscarem apoio para situações de intolerância no Rio podem receber atendimento jurídico, social e psicológico junto ao Ceplir. Para informações ou atendimentos pode-se ligar para (21) 2334-9550 ou procurar o centro presencialmente, de segunda à sexta, das 9h às 18h, na Praça Cristiano Otoni, s/nº (Edifício D. Pedro II), 7º andar, sala 718, Centro do Rio.