KOINONIA
Da esquerda para a direita: Rafael Soares de Oliveira, diretor-executivo de KOINONIA; Nelson Pelegrino (PT), Olivia Santana (PT), Célia Sacramento (PV) e Hamilton Assis (PSOL).
No dia 1° de setembro lideranças de comunidades de terreiros de Candomblé estiveram reunidas para mais um encontro de avaliação e encaminhamentos das ações de KOINONIA; intercâmbio e planejamento de ações nas comunidades.
O destaque do encontro foi a carta de questões e compromissos de ação apresentadas aos candidatos a prefeito de Salvador. Hamilton Assis (PSOL); Nelson Pelegrino e Olivia Santana (PT) e Célia Sacramento (PV), vice de Antonio Carlos Magalhães Neto participaram da reunião se comprometendo com o cumprimento das propostas apresentadas na carta e de se manterem em diálogo com as religiões de matriz africana.
KOINONIA torna público o compromisso de campanha assumido por esses candidatos:
Prezado senhor,
Nós -lideranças e seguidores de religião de matriz africana – estamos lhe escrevendo por estarmos preocupados com a situação e com os problemas de nossa cidade, Salvador. Cidade com uma população de maioria negra, com uma história missigênica e uma realidade cultural-religiosa sincrética, e que por si só representa a face da democracia. Mas que ultimamente vem se distanciando desse perfil, graças a uma minoria desequilibrada apoiada em pseudo representantes do povo (nas diversas esferas do poder), que através de um proselitismo remunerado tem tentado implantar o fundamentalismo religioso como sistema político para o nosso país, nosso estado e para o que há de mais belo nesse país: na nossa cidade.
Atualmente, as religiões de matriz africana veem sofrendo ataques de todo o tipo. Nossa liberdade religiosa, garantida pela Carta Magna do país está sendo desrespeitada. Sobre essa colocação a pergunta mais simples seria: O que a Prefeitura de Salvador tem com isso?
A resposta é simples: não faz muito tempo que a Prefeitura Municipal de Salvador demoliu um terreiro de candomblé, o Oiá Onipó Neto. Em razão dessa prática do Governo Municipal, a grita do povo se fez ouvir e o Ministério Público interferiu. A prefeitura voltou atrás, reconstruiu o templo, mas para o que havia de sagrado no local, e que foi violado pela prefeitura Municipal de Salvador, não há reparação.
O exemplo foi dado. Quem tinha que proteger destruiu. Isso, capitaneado, nesse caso específico, pela intolerância religiosa institucional bancada com o nosso próprio dinheiro, pois pessoas desqualificadas ocuparam cargos de relevância nas esferas do poder municipal crendo, de forma literal, estarem a serviço de deus e não da sociedade que paga o seu salário.
A intolerância cresceu e leva pessoas fanáticas a passarem a nos agredir publicamente. As invasões a terreiros tornaram-se uma prática cotidiana. Apedrejamento a templos e agressões ao povo de candomblé tornou-se uma diversão. Historicamente, nossos templos sagrados sempre foram como uma “embaixada” para os menos favorecidos pela sorte, o que era benéfico para o poder público, pois mulheres não eram agredidas por seus maridos, quando adentravam nos terreiros em fuga; pais deixavam de espancar seus filhos quando um “mãe ou pai” de santo interferia; homens que engravidavam jovens eram chamados para prestar contas e assumir a responsabilidade pelos filhos. Aquele que não tinha um pão para comer aprendia a pescar para comprar seu próprio peixe, e sua mercadoria não era roubada, nem essas pessoas eram vítimas de assalto, pois estavam protegidos pela estrutura física dessa “embaixada”.
Após o vilipendio, cometido por um órgão público, outros marginais passaram a demolir terreiros, a expulsar as comunidades de dentro dos terreiros de candomblé, em benefício de viciados no ganho fácil. Dentro de terreiros, para nosso espanto, pessoas foram assassinadas.
Dizemo-nos cidadãos do século XXI e, nessa condição, sabemos que o Estado Brasileiro é laico. No entanto, lidamos com pessoas, em cargos municipais, que estão equidistantes dos valores que norteiam a democracia e desconhecem a própria religião que pregam, pois nos acusam de cultuar o “demônio” ou o “diabo” que são figuras que fazem parte de suas religiões e não da nossa – não somos judaico-cristãos, somos candomblecistas, umbandistas… Cultuamos nossos orixás, voduns, inquices e caboclos que no nosso entendimento são mensageiros de Deus.
Respeitar todas as práticas religiosas e todas as crenças é nosso lema. Acolhemos todos, independente do credo. Ser evangélico, ateu, espírita, católico ou maçom é um direito inviolável de cada um, bem como o de ter opinião diversa e fazer parte de uma agremiação partidária. Temos que conviver com o outro independente de sua orientação sexual ou da cor da sua pele. É isso que nos certifica como exercício da cidadania, e confere a um cidadão a possibilidade de representar o outro: numa prefeitura, numa Câmara Municipal, no Parlamento Estadual e Federal, no Senado.
Por esta razão entramos em qualquer igreja, quando somos convidados, na compreensão de que nas igrejas se cultua Deus, mesmo que – paralelamente – engrandeçam “satanás” e outras figuras dessa linha, que devem ser temidos, até mais que o próprio Deus. Essa diferença dessas crenças não faz com que a rejeitemos. Muito pelo contrário, procuramos respeitá-las em razão do que é singular: Deus.
O quadro a seguir diz a razão pela qual buscamos esse diálogo com os candidatos a Prefeito de Salvador:
1 – As casas religiosas têm imunidade de impostos garantida pela Constituição. Qual a razão de a Prefeitura de Salvador não permitir a prática desse direito para os Terreiros de Candomblé? Por que isso se aplica às igrejas de princípios judaico-cristãos que têm esse direito reconhecido, inclusive com doação de terreno para uso pelo povo dessas religiões, e não para a nossa religião?
2 – Será que a nossa Carta Magna, para a Prefeitura de Salvador, não é tão Magna assim, e se usa de subterfúgios, chamando-os de burocracia, que nunca se esgota e nunca permite que nossas reivindicações sejam atendidas?
3 – Será que o procurador municipal que emitiu parecer para derrubar um Terreiro de Candomblé faria o mesmo em relação a uma “igreja” evangélica?
4 – Será que teriam a ousadia de querer mandar leiloar a Igreja do Bonfim,como tentaram fazer com a Praça de Oxum desenhada por Oscar Niemeyer, parte do Patrimônio Público Nacional, situada no Terreiro da Casa Branca?
5 – Na linha do será, nos perguntamos por que será que o órgão fiscalizador municipal aparece em nossos terreiros quando vamos realizar nossos rituais públicos, sob a alegação de que um vizinho ligou reclamando do “barulho”, mas não ouvem o “barulho” dos bares, igrejas, veículos nas ruas, entre outros espaços que, ao mesmo tempo em que estamos em festas, ligam sons com abecedeis comparados com os de trios elétricos?
Portanto propomos seu compromisso de:
Garantir as casas religiosas de matriz africana a imunidade de impostos prevista pela Constituição, assim como as igrejas, urgindo todas as providências administrativas para a efetivação desse direito.
Ampliar a representação das religiões de matriz africana nos conselhos municipais, valorizando os conhecimentos tradicionais trazidos pelas comunidades.
Capacitar servidores e órgãos municipais para que ajam sem promover a intolerância religiosa.
Aplicação da lei 10639 nas escolas públicas do município e do artigo 275 da Constituição do estado da Bahia.
Refazer o mapeamento dos terreiros de candomblé com informe de situação jurídica e fiscal de cada um.
Que a Prefeitura organize grupos/aparatos locais/regionais para a denúncia de violação de direitos, seu acolhimento e devidos encaminhamentos de demandas das comunidades de matriz africana.
Que nos estudos de viabilidade ambiental de obras sejam considerados os terreiros de candomblé como espaços sagrados e de preservação cultural a serem mantidos para evitar arbitrariedades.
Efetivação dos decretos que reconhecem os patrimônios culturais representados pelos povos de terreiros, dotando inclusive orçamentariamente recursos para sua eventual recuperação.
Efetivação da Lei de Acesso a Informação – LAI (n 12527) no município.
Elaboração de um decreto municipal para a retirada de símbolos religiosos das repartições públicas e de qualquer edificação própria do município.
Comunidades de terreiros de Candomblé da rede atendida por KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço