Entrevista reproduzida do site do Instituto Humanitas Unisinos
O presidente de KOINONIA Paulo Ayres foi entrevistado pelo Instituto Humanitas Unisinos – órgão transdisciplinar da Universidade do Vale do
A relevante queda do crescimento evangélico revelado pelo Censo 2010 – Entrevista especial com Paulo Ayres Mattos
“As pessoas, hoje, têm mais liberdade para escolher e combinar diversas opções em seu próprio cardápio religioso
Diante dos dados religiosos do último censo, “o fato mais importante” é a diminuição do crescimento dos evangélicos na última década, comparando com os dados da década anterior, diz o bispo metodista Paulo Ayres Mattos à IHU On-Line. “De 1991-2000 os evangélicos em geral cresceram cerca de 120%; na década de
Pesquisador do pentecostalismo, Ayres Mattos enfatiza que esse movimento está crescendo em toda a América Latina, “sendo muito forte em países
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Ayres Mattos analisa as transformações do cenário religioso nacional e assina que, embora o pentecostalismo continue crescendo nos setores mais vulneráveis da sociedade brasileira, é preciso “prestar atenção para o fato de que setores consideráveis de distintos segmentos da classe média – e até mesmo de alguns setores da classe média alta – têm sido atraídos pelo pentecostalismo”.
Paulo Ayres Mattos é graduado em Teologia pela Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, e em Filosofia pela Universidade de
Confira a entrevista.
HU On-Line – Em sua avaliação, qual foi a novidade do censo 2010 em relação às religiões no país? Pode-se dizer que o cadastramento trouxe algum dado novo, ou apenas reiterou o que já era esperado?
Paulo Ayres Mattos – Dados novos apareceram, mas sem surpreender aos estudiosos do campo religioso brasileiro, pois pesquisas parciais anteriores na segunda metade da década já indicavam o surgimento de uma realidade que foi confirmada de forma mais rigorosa pelo censo. A queda da membresia católica era esperada; o aumento dos evangélicos em menor proporção; a diminuição da Igreja Universal do Reino de Deus – IURD em virtude do crescimento da dissenção da Igreja Mundial do Poder de Deus; o aparecimento mais visível dos evangélicos sem igreja; o aumento das pessoas sem religião; etc.
Em meu entender, o fato mais importante do último censo é a confirmação de um dado já identificado anteriormente, trabalhado com bastante competência por sociólogos da religião como Paul Freston, da Universidade de São Carlos, que diz respeito à diminuição do ímpeto do crescimento dos evangélicos na última década quando comparado com o crescimento da década anterior. De 1991-2000 os evangélicos em geral cresceram cerca de 120%; na década de
IHU On-Line – A que atribui essa diminuição do crescimento entre os evangélicos na última década?
Paulo Ayres Mattos – Em parte, por razões de ordem exógena já que a sociedade brasileira passou por transformações sociais que possibilitam às pessoas resolverem seus problemas mediante meios mais racionais sem buscar o recurso de soluções milagrosas. As pessoas apelam para o sobrenatural quando não encontram soluções para seus problemas no aqui e agora. A ênfase na maioria das igrejas pentecostais desde um tempo para cá passou a ser no oferecimento de cura divina, já que a assistência à saúde continua sendo um pesadelo para a maioria dos brasileiros, inclusive para a classe-média (comparem a ênfase em cura divina particularmente dos programas da TV aberta da IURD, da Internacional, da Mundial, da Renascer).
Por outro lado, a reação católica ao pentecostalismo com o fortalecimento da renovação carismática católica, com forte uso da música e de cantores/cantoras gospel do próprio meio católico, como explico abaixo, têm oferecido uma alternativa viável ao pentecostalismo, particularmente a setores de classe média, estancando a sangria nas fileiras católicas. Creio que o aparecimento do fenômeno dos “evangélicos sem igreja” começa a afetar a adesão de muitas pessoas ao pentecostalismo institucionalizado. Está para ser provado se os escândalos envolvendo grandes e pequenos líderes pentecostais acabaram por influenciar na diminuição do crescimento dos evangélicos na última década. Finalmente, a história dos movimentos religiosos no mundo ocidental mostra que os novos movimentos surgem, crescem, se estabilizam e, finalmente, experimentam sua estagnação. Compartilho da intuição de Paul Freston segundo a qual, no médio prazo, o crescimento evangélico vai atingir seu “plateau”, estabilizando-se por volta de 35% da população brasileira.
IHU On-Line – Muitos sociólogos da religião comentaram o aumento do número de pessoas que se dizem sem religião.
Paulo Ayres Mattos – Creio que, com os processos de maior transparência na sociedade brasileira, as pessoas se sentem menos desconfortáveis ao assumirem publicamente sua não adesão a qualquer forma de filiação a instituições religiosas, o que não significa que elas são arreligiosas ou que tenham aderido a alguma forma de ateísmo. O que me parece estar ficando mais claro na sociedade brasileira é o desencantamento de muitas pessoas com as religiões institucionalizadas.
IHU On-Line – Entre as igrejas pentecostais, os dados do censo demonstram que a Assembleia de Deus cresceu, enquanto que a Igreja Universal perdeu 10% do número de fiéis.
Paulo Ayres Mattos – Em primeiro lugar, as Assembleias de Deus – AADD não são uma denominação, mas uma marca de fantasia, pois não há uma Assembleia de Deus, no Brasil, e sim muitas denominações que usam esse nome como se fosse de domínio público.
Quanto à IURD, podemos dizer que ela igreja perdeu membros não porque foi menos efetiva na década passada do que nas anteriores, mas porque – em meu entender – resolveu identificar-se mais de perto com o emergente segmento social mais identificado com a mentalidade do empreendedorismo, opção que acabou criando espaço para o fortalecimento e consolidação da Igreja Mundial do Poder de Deus, a qual está atingindo de forma mais direta o lumpen da sociedade brasileira que não tem sido atingido, pela ascensão de setores populares, a baixa classe média brasileira durante a década passada.
IHU On-Line –
Paulo Ayres Mattos – No último censo não me chama tanto atenção a queda das religiões tradicionais conforme tem sido realçado na mídia e em certos círculos religiosos e acadêmicos. O que mais tem chamado a atenção é a diminuição pela metade do ímpeto do crescimento institucional dos evangélicos e o aumento dos evangélicos sem igreja e dos brasileiros sem religião. O fato de que o campo religioso brasileiro foi profundamente afetado pela comoditização dos bens religiosos fez com que houvesse maior oferta de alternativas religiosas às religiões tradicionais. As novas religiões agregaram ao mercado dos bens oportunidades para novas escolhas que respondam de modo mais eficaz às necessidades e aos desejos das pessoas dentro uma sociedade crescentemente baseada no consumismo.
As religiões tradicionais
IHU On-Line – Qual é o perfil dos pentecostais? Segundo os dados do censo, 64% deles avançam nos segmentos mais vulneráveis da população, especialmente nas periferias. O que atrai essa população para o pentecostalismo?
Paulo Ayres Mattos – É verdade que o pentecostalismo continua atraindo os setores mais vulneráveis da sociedade brasileira, particularmente nos grandes centros urbanos do país. Entretanto, é preciso prestar atenção para o fato de que setores consideráveis de distintos segmentos da classe média – e até mesmo de alguns setores da classe média alta – têm sido atraídos pelo pentecostalismo. Em meu entender, estes diferentes setores estão sendo atraídos e continuarão a ser atraídos enquanto houver necessidades que não estão sendo atendidas pelos meios que possibilitem consideravelmente escolhas mais racionais (“rational choice theories”). Educação, saúde, segurança e emprego continuam sendo problemas afetando a população em geral que não têm sido suficientemente equacionados pelo poder público. Tais problemas impedem que uma sociedade menos injusta possibilite a todos o acesso a tais oportunidades, restando apelar-se para soluções mágicas que são oferecidas pelo pentecostalismo mais ligado à sociedade de consumo que vem sendo construída no Brasil desde 1994.
IHU On-Line – Que transformações o pentecostalismo está promovendo no cenário religioso brasileiro?
Paulo Ayres Mattos – Creio que a formação de uma ideologia que diz que a sociedade de consumo é boa e que tem lugar para todos – o mundo
Essa ideologia vai na contramão do pentecostalismo clássico, que afirmava que este mundo está posto no Maligno e que, portanto, ele é mau e a esperança está na volta de Cristo, ocasião em que os crentes seriam arrebatados para o céu longe deste mundo perverso e pecaminoso – a religião, mais do que o ópio do povo, o coração de um mundo sem coração; o espírito de um mundo sem espírito.
O pentecostalismo contemporâneo tem modificado de forma radical sua escatologia. Isso tem sido – no meu entender – possível porque, em muitos aspectos, o pentecostalismo tem, quase sempre de forma inconsciente, assumido a maneira de ser religiosa brasileira característica das matrizes religiosas que contribuíram para a formação religiosa do nosso povo, com forte dose de sincretismo, com soluções miraculosas para as necessidades do cotidiano aqui e agora, tese já apontada pelos trabalhos de estudiosos como Sanchis, Droogers e Bittencourt. O sincretismo com as religiões populares brasileiras, hoje, está presente nas práticas de várias igrejas pentecostais sem qualquer reserva, diferentemente dos evangélicos tradicionais. Isso tem possibilitado também que muitas das bandeiras do conservadorismo tradicional dos católicos brasileiros sejam assumidas sem qualquer reserva pelos pentecostais, como bem manifesta a atuação dos políticos evangélicos ligados às igrejas pentecostais ao lado dos políticos católicos mais conservadores nas duas casas do Congresso Nacional.
Interessante é observar os posicionamentos progressistas da ex-ministra Marina da Silva, membro de uma denominação pentecostal e ex-católica ligada às comunidades eclesiais de base. Seus posicionamentos estão em favor de bandeiras do movimento ambientalista brasileiro e internacional. Também há posicionamentos conservadores em temas
IHU On-Line – Diante dessa análise do caso da Marina Silva, diria que a tendência é as pessoas aderirem a características de várias religiões e, a partir delas, terem uma conduta religiosa pessoal?
Paulo Ayres Mattos – Creio que sim; este fenômeno é possível porque a religião também sofreu um processo de privatização. As pessoas, hoje, têm mais liberdade para escolher e combinar diversas opções em seu próprio cardápio religioso
IHU On-Line – Cem anos depois do ingresso do pentecostalismo no Brasil, que avaliação faz da religião no país? Que fatores explicam o sucesso do pentecostalismo entre os brasileiros e o fato de o Brasil ser o maior país pentecostal do mundo?
Paulo Ayres Mattos – Seguindo as pistas colocadas por Pierucci, o Brasil é um país de baixa diversidade religiosa, sendo sua maioria de pessoas cristãs. Entretanto, desde a independência do país, mas de forma mais contundente nas últimas décadas, foi gradualmente quebrando o monopólio do catolicismo. Hoje, quase 90% dos brasileiros continuam cristãos, mas o catolicismo não é mais hegemônico e, gradualmente, passou a compartilhar parte considerável de nossa população com evangélicos, principalmente com os pentecostais de todos os tipos. No passado, os pentecostais cresceram porque souberam ocupar os espaços religiosos vazios nas periferias brasileiras, já que tanto a Igreja Católica como as igrejas evangélicas se localizavam ou na praça central de nossas cidades, a praça da matriz, ou nas áreas ocupadas por setores de classe média.
Os pentecostais ocuparam as periferias onde a Umbanda era a única contrapartida religiosa presente. O enfrentamento entre duas manifestações religiosas que creem piamente que o natural é controlado pelo sobrenatural. Na medida em que o projeto modernizante das comunidades eclesiais de base do catolicismo popular ligado à teologia da libertação perdeu sua viabilidade dentro do próprio catolicismo por pressão do Vaticano, a única alternativa religiosa plausível para as periferias tem sido o pentecostalismo. Em médio prazo, o pentecostalismo mostrou-se mais apropriado do que a Umbanda para atender às demandas de uma sociedade de consumo e daí seu vertiginoso crescimento nas últimas três décadas. Entretanto, na última década o pentecostalismo,
Creio que, no médio prazo, teremos uma população de cerca de
IHU On-Line – Em entrevista à IHU On-Line, o historiador Alderi de Matos disse que uma crítica que se faz ao pentecostalismo diz respeito ao fato de ele ter tido um crescimento tão grande na sociedade brasileira, mas, por outro lado, um impacto social muito pequeno, restringindo-se à ação individual.
Paulo Ayres Mattos – A meu entender, isso foi verdade até o período da ditadura militar, quando a ideologia “não sou do mundo, do mundo eu não sou” predominou entre os evangélicos, inclusive os pentecostais – política era considerada coisa suja e dominada pelo diabo. Na medida em que a ditadura e a Igreja Católica entraram em rota de colisão, os militares se aproximaram dos pentecostais, que tomaram gosto pela política. Hoje, parece-me que os pentecostais, mais os evangélicos tradicionais conservadores, estão causando impacto social cada vez maior na sociedade brasileira. Atualmente é notório o reconhecimento da presença pública dos evangélicos que acaba por influenciar nas definições de muitos aspectos da vida nacional, inibindo que avanços mais republicanos ocorram no país.
IHU On-Line – Em que aspectos da vida social percebe maior influência dos evangélicos?
Paulo Ayres Mattos – Especialmente nos temas que têm a ver com sexualidade, tais
IHU On-Line –
Paulo Ayres Mattos – O pentecostalismo está varrendo toda América Latina, sendo muito forte em países
IHU On-Line – Quais as diferenças e semelhanças do pentecostalismo praticado no Brasil e nos demais países da América Latina?
Paulo Ayres Mattos – Na maioria dos países, e não conheço mais de perto a situação do pentecostalismo em diversos deles, o pentecostalismo praticado não difere muito do brasileiro. Se aqui entre os pentecostais domina o que tem sido chamado de ethos sueco-nordestino, muito próximo do coronelismo nordestino, nos demais países latino-americanos o ethos é bem próximo do caudilhismo hispano.
A grande diferença é o Chile, onde o pentecostalismo é em sua maioria de origem metodista, enquanto o pentecostalismo brasileiro em sua quase total maioria é de origem batista com a grande exceção da Congregação Cristã no Brasil, que é de origem calvinista. Entretanto, a diferença é somente na teologia que professa, pois a experiência pentecostal
Leia mais: