Márcia Evangelista
Segunda metade dos anos 40 e a Europa dos pós-guerra estava completamente destruída: fome, desemprego, desespero. Apenas se safara da ditadura nazi-facista a União Soviética (atual Rússia) sob as rédeas de Stálin e os Estados Unidos, do outro lado do Atlântico, que saíra com poucos estragos. Nesse período, a Alemanha sofria com tudo isso e ainda carregava a culpa pela morte de milhares de judeus nos campos de concentrações.
Nesse cenário, mais precisamente em Ückenberg (Alemanha), uma região de extração de carvão mineral, Marga, uma menina de apenas oito anos aguardava com a mãe o momento da parada de uns dos vagões dos trens, que seguiam abarrotados de carvão para a Rússia. O mineral, que era extraído duramente pelos alemães, era “doado” aos russos, enquanto centenas de famílias, depois de horas de trabalho a fio nas minas, não tinham com o que se aquecer no duro inverno do leste Europeu.
As duas mulheres conseguem entrar no vagão para roubar o minério, mas acabam atacadas pelos cães do exército stalinista. Só escapam porque conhecem um dos soldados, que prefere deixá-las partir sem alarde. Aquela atitude, mesmo nobre, poderia resultar em prisão ou até mesmo morte. Voltam para casa para encontrar as outras crianças da família. A essa altura o pai da pequena Marga, ex-soldado alemão, era prisioneiro de guerra na Rússia. Essa foi uma cena triste da história mundial e também na vida de uma alemã que naturalizou-se brasileira e tornou-se uma paraense da gema. Mas, ao invés de viver marcada pelo passado dolorido, ela fez disso uma motivação para lutar pelos direitos humanos na Amazônia e aqui propagar a fé cristã.
Assim é a pastora luterana Rosa Marga Rothe, que imigrou para o Brasil com a família no fim dos anos 40, início dos anos 50. Viveu a adolescência e a juventude
O envolvimento de Marga com a luta pelos direitos humanos no Pará começa quando ela ingressa no curso de Teologia da Universidade Federal do Pará, nos “anos de chumbo”, onde presenciou perseguições e mortes a estudantes pelo regime militar. Nessa época, conheceu outros nomes importantes da história política do Estado e que foram símbolos da luta pelo feminismo: Iza Cunha e Ecilda Veiga. As duas combatiam a ditadura e realizavam pequenos seminários que, a partir da união de outras pessoas como a própria Marga Rothe, deu origem à Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos – SDDH, em 1977.
A entidade transformou-se num marco histórico, pois agregava partidos políticos, movimentos sociais, ONG’s, sindicatos e segmentos da Igreja Católica. “Antes de nascer a SDDH, lembro que um dia passeava de carro com meus filhos. Parei numa esquina e disse a eles que adiante ficava a sede da Sociedade de Defesa dos Animais. A Iva, bem pequeninha nessa época, me perguntou: – Mas mãe, aonde é que fica sociedade de defesa dos humanos? Aquela pergunta ficou martelando na minha cabeça por um bom tempo”, lembra Marga.
Além de teóloga, ela tornou-se especialista e mestra
Mas a redemocratização do país, finalmente, chegou pelas mãos do movimento das Diretas Já, em 1985. Tancredo Neves é eleito presidente e a cantora paraense Fafá de Belém imortaliza uma nova versão do Hino Nacional Brasileiro em sua intensa e rouca voz… Marga coordena uma equipe de educação popular no Centro de Intercâmbio de Pesquisas e Estudos Econômicos e Sociais (CIPES) e promove a alfabetização de adultos, através do método Paulo Freire. Novos tempos chegaram à nação cansada de armas …
Na década de 90, inquieta e empreendedora, Marga Rothe cria a primeira ouvidora do Sistema Estadual de Segurança Pública do Pará, por indicação da SDDH e apoio da sociedade civil. Como ouvidora, permaneceu até 2005 e participou de várias iniciativas pioneiras
Depois de integrar a Campanha Estadual Contra a Tortura, em dezembro 2004, foi agraciada com o Prêmio Direitos Humanos da Presidência da República, na categoria “Segurança Pública”. No dia 10 de dezembro de 2008, data em que comemorou-se os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os 20 anos da Constituição Brasileira, Marga Rothe ganhou o Prêmio José Carlos Castro, dado pela Ordem dos Advogados do Brasil – seção Pará.
Depois de enfrentar a Segunda Guerra Mundial, passar pela ditadura militar no Brasil e ainda por cima saber que há tantos desentendimentos entre as nações e muitas desigualdades em nosso país, ela ainda tem fé: “Acredito que os direitos humanos serão respeitados na Amazônia e no mundo, tenho fé no futuro”, encerra.
POR QUE SE ORGULHAR?
Marga Rothe nasceu na Alemanha, mas tem orgulho de se dizer brasileira e, especialmente, paraense. É uma das maiores defensoras dos direitos humanos na Amazônia, uma das precursoras do movimento feminista no Pará, além de sobrevivente do maior conflito bélico da humanidade, onde se inspirou para nortear sua atuação profissional e pessoal.
* Matéria extraída do site do Diário do Pará (terça-feira 27/04/10 – 10h57), publicado na seção “Orgulho do Pará”
Marga Rothe é sócia de KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço. Orgulho do Pará… Orgulho de KOINONIA.