Ações Contra a Intolerância Religiosa

Márcia Evangelista

Dois eventos marcaram o dia 21 de janeiro, Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, em Salvador. Integrantes do Terreiro Axé Abassá de Ogum realizaram a 3ª Caminhada Contra a Intolerância Religiosa, em Itapuã. A caminhada partiu de Sereia de Itapuã indo até o Parque Metropolitano do Abaeté e faz parte de uma luta que completa 10 anos e que tem como marco O Caso Mãe Gilda (ver histórico adiante).

A caminhada teve a presença e apoio não somente das lideranças do Candomblé de Salvador, mas também de representantes de outras religiões que acreditam na convivência harmônica entre estes grupos, a exemplo de representante da Igreja Católica e do Pastor Djalma Rosa Torres, da Igreja Batista e integrante do Conselho Ecumênico do Programa Egbé de KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço. KOINONIA dá assistência ao Terreiro Axé Abassá de Ogum desde o início da causa, que também recebeu o apoio de representantes do movimento popular de Salvador.

Com a presença de músicos e bailarinas do Bloco Afro Malê Debalê, Alabês da Casa, jogadores de capoeira, alas de crianças e filhas de santo vestidas a caráter, a manifestação seguiu animada por todo o percurso e conseguiu mobilizar cerca de 400 pessoas.

Na parte da tarde foi realizado um ato interreligioso, no Espaço Cultural da Barroquinha, no Centro de Salvador, reunindo mais de 300 pessoas de diversos segmentos religiosos. O evento foi realizado na antiga Igreja de Nossa Senhora da Barroquinha, local que abrigou o primeiro Terreiro de Candomblé da Bahia. Católicos, espíritas, batistas, umbandistas, seicho-no-iê, ortodoxa-bielo-russa, ialorixás e babalorixás, presentes no ato centraram seus pronunciamentos em defesa ao respeito de culto e à diversidade, bem como repudiaram todo e qualquer comportamento de perseguição e intolerância entre as religiões que atinge principalmente o Candomblé.

Histórico – O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa foi criado a partir de um caso de intolerância religiosa de grande repercussão nacional: o caso da mãe de santo Gildásia dos Santos e Santos, conhecida como Mãe Gilda, que adoeceu e morreu após ter sua foto publicada em uma matéria no jornal Folha Universal, da Igreja Universal do Reino de Deus, com o título Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”. Os filhos e marido de Mãe Gilda entraram com ação na justiça, que condenou a Igreja Universal, em agosto de 2009, a pagar R$145,2 mil de indenização.

Política – Na véspera do dia de Combate à Intolerância Religiosa, a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, pré-candidata do PT à Presidência, adiou nesta quarta, 20, o anúncio do Plano Nacional de Proteção à Liberdade Religiosa. O lançamento do projeto, que fornece legalização fundiária aos imóveis ocupados por terreiros de umbanda e candomblé, além do tombamento de casas de culto, estava previsto para o dia 20 de janeiro, mas no último momento o governo adiou a divulgação alegando que precisa revisar questões jurídicas.

O adiamento do anúncio do Plano Nacional de Proteção à Liberdade Religiosa ocorre na esteira da polêmica envolvendo o Programa Nacional de Direitos Humanos, que provocou uma crise dentro e fora do governo. Temas controversos, como descriminação do aborto, união civil de pessoas do mesmo sexo e proibição do uso de símbolos religiosos em repartições públicas, foram alvo de fortes críticas, principalmente por parte da Igreja.

O programa de promoção de políticas públicas para as comunidades tradicionais de terreiro já estava adequado, mas, como é um plano de governo, precisa ser pactuado para não haver constrangimentos, afirmou o ministro-chefe da Secretaria da Igualdade Racial, Edson Santos.

Apesar de dizer que nunca é demais dar outra passada de olhos no texto, para maior observância à Constituição e ao Código Penal, Santos não escondeu a decepção com a ordem para suspender o anúncio do plano, que seria feito justamente na véspera do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, comemorado no dia 21 de janeiro.

 

Reunião debate medidas contra Intolerância Religiosa no estado da Bahia

No dia 13 de janeiro foi realizada reunião de representantes do povo de candomblé com o Secretário de Segurança Pública do Estado da Bahia. A reunião teve como objetivo debater medidas para conter os atos de intolerância religiosa crescentes em Salvador e em todo o estado da Bahia.

Na reunião, agendada pelo conselheiro e associado de KOINONIA, Prof. Ordep Serra, participaram aproximadamente 20 pessoas de Candomblé, inclusive representantes do Nafro PM/BA (Núcleo das Religiões Afro-brasileiras dos Policiais Militares), da AFA (Associação Afroameríndia) e de KOINONIA. Participou da reunião também, a convite do Secretário, o Delegado Chefe do Polícia Civil da Bahia, Dr. Joselito Bispo.

A partir da exposição de fatos feita pelos representantes do Candomblé, foram encaminhadas as seguintes ações:

1 – A criação de uma Comissão Mista, composta por três pessoas de candomblé e três representantes da Secretaria de Segurança Pública, com poder de decisão, para reunir-se regularmente ou extraordinariamente, a fim de monitorar um plano de ação para conter os atos de intolerância religiosa. Da parte do povo do Candomblé, a Comissão contará com representantes do Terreiro Abassá de Ogum, da AFA e do Nafro. O prof Ordep Serra ficou responsável por comunicar oficialmente essas representações ao Secretário de Segurança Pública que, por sua vez, nomeará seus três representantes;

2 – O convite do Secretário a representantes do povo de Candomblé para reuniões por áreas (bairros ou regiões de Salvador), que podem ocorrer na própria Secretaria. Essas reuniões deverão ser programadas a partir da articulação com os Conselhos Comunitários de Segurança, das quais devem participar o comandante da PM e o delegado responsável pela área, para que seja traçado um plano de ação e uma estratégia comum de enfrentamento à situação de violência nos bairros;

3 – A Comissão Mista deve propor um cronograma para essas reuniões;

4 – As ocorrências de intolerância religiosa devem ser SEMPRE registradas. Não é na delegacia que se qualifica se a questão é ou não de intolerância religiosa, mas o escrivão deve anotar exatamente o que a pessoa disser – a orientação é que quem vai prestar queixa diga que entende aquela agressão como um ato de intolerância religiosa, e isso deve ficar registrado na ocorrência. Caso o registro não seja feito de forma adequada, ou haja problemas, a Secretaria de Segurança deve ser comunicada. O delegado Joselito Bispo disponibilizou seus números de telefones para contato (71 3116-6480 e 71 9973-7194) em caso de problemas;

5 – Usar o Disque-Denúncia;

6 – Quanto às invasões de terreiros feitas de forma truculenta pela polícia, o Secretário disse que vai conversar com a PM, mas orienta que essas ações, quando ocorram, sejam denunciadas.

O Secretário afirmou ter entendimento sobre o valor cultural e social dos Terreiros e do trabalho que realizam, sobretudo com os jovens, e do perigo real da intolerância religiosa.

Houve também a proposta de uma grande reunião para debater o assunto e tirar uma pauta do povo de candomblé sobre a questão de segurança pública. É importante que o povo de candomblé tenha uma agenda organizada nesse sentido e que o governo mostre que está fazendo alguma coisa, para que esse tipo de crime não continue impune e em escalada crescente.

 

Rio de Janeiro lança primeiro Núcleo de Combate à Intolerância Religiosa da Polícia Civil

No Rio de Janeiro o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa foi marcado pela inauguração do primeiro Núcleo de Combate à Intolerância Religiosa da Polícia Civil do estado, na Gamboa, zona portuária da capital.

O delegado responsável pelo núcleo, Henrique Pessoa, explicou que não se trata de uma delegacia, mas de um espaço da polícia para acompanhar as denúncias de crimes e dar suporte às delegacias. “As ocorrências vão continuar sendo registradas nas respectivas circunscrições. O que faremos é monitorar os casos, fazer as estatísticas, e assessorar as delegacias para que prestem o serviço adequado neste caso específico. O que queremos é criar aqui um núcleo para difundir o conhecimento a respeito dessa questão tão sensível e com isso resgatar a liberdade religiosa.”

Os trabalhos que deram origem ao núcleo começaram há cerca de um ano e meio, com o acompanhamento da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa. Segundo o delegado, religiosos se queixavam do tratamento que recebiam ao fazer o registro na delegacia. “Num primeiro momento procuramos criar uma forma para capacitar o policial para este tipo de registro, que era menosprezado pela falta de conhecimento sobre esse assunto.” Pessoa celebrou o fato de ter sido criada dentro da grade curricular da academia de polícia uma disciplina específica para o estudo do crime de intolerância religiosa. “Já qualificamos 500 inspetores de polícia que estão sendo nomeados agora, especificamente na grade de intolerância religiosa. Aprenderam a capitular devidamente o crime e a trabalhar com o instrumento da Lei Caó [Carlos Alberto de Oliveira, Lei nº 7.437]”. O delegado explicou que até 2008 era muito difícil fazer qualquer estatística desses casos, pois um defeito no sistema não vislumbrava o Artigo 20 da Lei Caó.

“A capitulação dos crimes era feita de forma indevida, seja pelo artigo 208 de impedimento ao culto ou 140 de injúria qualificada. Após a correção o número aumentou expressivamente por causa da capitulação adequada.”

Na Praça da Cinelândia, no Centro do Rio, representantes de diferentes religiões armaram suas tendas para divulgar um pouco de suas crenças ao público e defender o direito à diversidade religiosa.

Com informações do Programa Egbé-BA, Jornal A Tarde e Agência Brasil

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