Helena Costa
O jornal O Estado de São Paulo, sem oferecer nenhuma justificativa, recusou-se a publicar nosso artigo . O jornal O Globo, com alguma resistência e artimanhas, publicou o artigo em sua edição de 24 de dezembro, reduzindo o título original a “Direitos coletivos”, e com um erro (?) de revisão (alterando a palavra ‘primeiro’ pelo número ‘1’, quinto parágrafo). Leia o artigo na íntegra :
A divergência de opiniões está na essência das sociedades democráticas. O ideal é haver espaços para expor as idéias divergentes. O que constrange esse debate, porém, é a difusão de informações errôneas. E é sobre esse constrangimento que não só editores de jornais que selecionam articulistas, mas todos os brasileiros devem refletir. Vejamos um exemplo.
Apesar de reconhecido pela Constituição (artigo 68 dos ADCT), as comunidades remanescentes de quilombos têm tido seu direito ao território constantemente questionado no País por articulistas e jornalistas, no mínimo, descuidados com suas fontes.
Essas comunidades têm problemas – comprovados por pesquisa do MDS, “Chamada Nutricional Quilombola” – de nutrição, de falta dágua, esgoto quase inexistente e crianças com déficit de altura. Ao invés de obterem solidariedade, sofrem ataques de articulistas contra o critério de auto-identificação e os procedimentos para garantia da terra. Esses, erroneamente, supõem que um indivíduo, ao se auto–identificar como quilombola, ato contínuo, passa a ter também uma terra em seu nome. E do erro seguem-se ilações.
A boa crítica antes deveria informar que:
Primeiro, dizer-se comunidade quilombola não é ato infundado, aleatório e individual. É um procedimento coletivo de auto-identificação amparado em decisão do Congresso Nacional, que em 2002 ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, e lhe conferiu um status de lei por decreto em 2004. Além dessa ampla base, o direito coletivo de auto-identificação também se baseia
Segundo, não basta uma comunidade quilombola se auto-reconhecer para ter a terra garantida. Fosse assim, não teriam sido expedidos apenas 31 títulos de propriedade coletiva entre 2003-2007. O extenso procedimento para regularização fundiária dirigido pelo Incra inclui informações técnicas de várias áreas da ciência, obtidas em campo e junto a instituições públicas e privadas e que são reunidas
Outro exemplo de opinião infundada são as acusações contra a comunidade de remanescentes de quilombos que vive na Ilha da Marambaia há mais de 100 anos (dado demonstrado no laudo que realizamos para o Governo Federal) e é tratada como “invasora”. Esta comunidade quer ter seu direito territorial e suas formas seculares de relação sustentável com a natureza reconhecidas. Infelizmente, a comunidade se vê na necessidade de denunciar à ONU, com farta documentação, as quotidianas violações de direitos que sofre, para as quais não obteve nem comentários de articulistas nem resposta.
Esses exemplos reafirmam a importância da opinião bem fundamentada, pois sob o pretexto de refletir (seria uma forma obscura de filosofia?) alguns chegam ao ridículo de confundir inquilinos com proprietários, habitantes com visitantes… Isso sem falar das confusões sobre quem aconselha e quem dirige, e do desrespeito ao Ministério Público Federal e outras instituições, sem se dar ao parco trabalho de conferir fontes. Pouco se avança ao se discutir direitos coletivos quando o interesse é acusar e denunciar “subversivos”. Graças a Deus, e à custa de muito sangue, passou o tempo em que a “acusação” de socialista tinha a força da santa inquisição da ditadura. Construímos um País sem “demônios”, que permite partidos trabalhistas, socialistas, liberais, comunistas, social-democratas, cristãos e outros mais… E seremos, brasileiras e brasileiros comprometidos com a boa informação, a liberdade e o Estado de Direito, capazes de debater sobre todo tipo de direito coletivo, divergindo sem ser levianos.
Rafael Soares de Oliveira, Secretário Executivo de KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço.
(Publicado no jornal O GLobo, 24 de dezembro de 2007)