Helena Costa
No mês da mulher KOINONIA entrevista três lideranças femininas, parceiras em diversos campos de ação política nos quais os Programas Trabalhadores Rurais e Direitos, Egbé Territórios Negros e Saúde e Direitos atuam.
Entrevistadas:
– Mãe Jaciara Ribeiro dos Santos, Ialorixá do Ilê Axé Abassá de Ogum, participa das atividades do programa Egbé em Salvador. É uma das lideranças na luta contra a intolerância religiosa.
– Doris Bertolino trabalha como multiplicadora do Programa Saúde e Direitos, entre outras atribuições.
– Débora Leite, vice- presidente da Nós da Roça, participa de inúmeras atividades do programa Egbé no Rio de Janeiro junto a comunidades quilombolas.
– Rita de Cássia Souza, mais conhecida como Cassinha, coordenadora do Pólo Sindical do Submédio São Francisco PE/BA, possui estreita ligação com o programa Trabalhadores Rurais e Direitos.
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Jaciara Ribeiro dos Santos, Ialorixá do Terreiro Ilê Axé Abassá de Ogum, em Salvador (BA), 39 anos. Filha de Mãe Gilda, move uma ação contra a Igreja Universal do Reino de Deus por danos morais e uso indevido de imagem, ganha nas duas primeiras instâncias (leia mais sobre o caso clicando aqui).
Quais são os principais problemas causados pela intolerância religiosa para os Terreiros em Salvador?
Mãe Jaciara: O principal problema é a angustia de ver nossa religião ser maculada e descriminada. Isso nos deixa com medo e acaba fazendo com que nós, os adeptos de religiões de matriz africana, mudemos a forma de nos comportar: temos medo de usar nossas roupas, fios de conta e etc. Muitos adeptos da religião não assumem sua religião em entrevistas de emprego ou até mesmo para amigos em conversas informais. Outro problema também causado pela intolerância religiosa é o medo de ser agredido verbal e fisicamente por outros seguimentos. Isso está nos fazendo mudar a forma de fazer oferendas em vias públicas.
Estes problemas afetam de maneiras diferentes homens e mulheres?
Mãe Jaciara: Pela minha experiência pessoal eu acho que quando o Terreiro é comandando por uma mulher eles são mais ousados, sentem-se mais à vontade para atacar. Na luta contra a intolerância há muito mais casos contra Terreiros de Ialorixás do que de Babalorixas.
E na luta para combater a intolerância, homens e mulheres lutam do mesmo modo?
Mãe Jaciara: Não, eu acho que não, a mulheres assumem muito mais a causa da intolerância – talvez até por sofrerem mais diretamente, como eu disse. Os homens, em geral querem resolver no confronto físico; dizem: “Se atacarem o meu Terreiro eu parto pra briga!”. Só que isso não resolve nada, não é nisso que a gente acredita. As mulheres procuram mais a justiça na busca de seus direitos, os direitos assegurados na Constituição. Acho que até pela história da mulher no Candomblé aqui em Salvador, porque as mulheres sofreram muito preconceito dos homens, muitas tiveram que escolher entre a religião ou o marido, então com o tempo isso criou uma liderança feminina forte. Hoje a maioria dos Terreiros de Salvador é comandado por mulheres. E elas se sensibilizam mais para a luta contra a intolerância que os homens, elas seguram essa bandeira com mais força.
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Doris Cardoso Prudente Bertolino, Multiplicadora do Programa Saúde e Direitos em Pindamonhangaba/SP, Conselho Municipal da Condição feminina,Comitê pro equidade de gênero, presidente do Lar Nova Esperança; 46 anos, mãe de dois filhos.
Quais são os maiores obstáculos enfrentados no trabalho de promoção dos direitos sexuais e reprodutivos? E na prevenção às DSTs?
Doris: São os preconceitos, a falta de informação, ou ainda informações distorcidas que muitas pessoas possuem, e que muitas vezes impedem a promoção desses direitos. Também a falta de apoio principalmente de líderes de comunidades para a divulgação desses direitos, e apoio financeiro.
Ao realizar esse trabalho, há alguma diferença quando ele é feito por homem ou por mulher? Se há, quais são?
Doris: Acredito que sim. Quando falamos para mulheres, como mulheres, percebo maior liberdade para a exposição de situações delicadas. Elas, as mais marginalizadas, se sentem acanhadas quando da abordagem efetuada por um homem. Já tivemos experiências também com a presença de um homem (meu marido) – não como primeiro palestrante, mas após o compartilhar com todos. Então houve uma maior confiança e exposição de situações. Acredito também que depende muito de como o homem se apresenta e como ele se comunica.
Quais são suas considerações sobre relações gênero, como você acha que devem ser estabalecidas estas relações.
Doris: Acredito que as situações estão evoluindo aos poucos. Existe ainda muita luta a ser travada e muitos desafios a serem vencidos. Nós, enquanto mulheres, devemos em nosso papel de mãe repensar a educação de nossos filhos, principalmente dos homens, incutindo nos mesmos a igualdade que acreditamos que deve existir entre homens e mulheres, a começar das tarefas domésticas.
Algumas empresas estão criando Comitês Pró-equidade de Gêneros, como a empresa que trabalho, a Caixa Economica Federal, aderindo ao Programa Pró-Equidade de Genêros da Secretária Especial de Políticas para as Mulheres, do qual nós estamos fazendo parte. Devemos, acredito eu, lutar para que mais empresas se preocupem com esta questão. Devemos lutar para que haja mais investimentos no preparo e na informação de mulheres que não tem oportunidade de alcançá-los sozinho, ou as mesmas não chegam até elas em virtude de uma série de dificuldades.
Espero ter contribuído, agradecendo a oportunidade e parabenizando todas as mulheres lutadoras, em suas comunidades, neste dia especial que faz a todas e todos nós lembrarmos de muitas mulheres, desde os tempos bíblicos que foram verdadeiras heroínas, e das atuais que estão hoje atuando como mãe, chefes de família, trabalhadora, etc. Deus nos abençoe a todas!
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Débora Leite, quilombola, vice-presidente da Nós da Roça – associação de trabalhadores rurais de Alto da Serra (RJ), quatro filhos, 33 anos.
Quais são os principais problemas enfrentados pela sua comunidade hoje?
Débora: O fundamental pra gente hoje é que consigam nos enxergar, ver que a nossa luta é importante. Às vezes acontecem eventos aqui no município mesmo, coisas em que a gente poderia estar participando e não somos nem informados. Então precisamos de espaço para mostra que a nossa luta é importante. Estamos correndo atrás dos nossos direitos, das nossas terras e a gente sabe que o processo de titulação é longo, demorado.
Esses problemas afetam os homens e as mulheres do mesmo modo? Por que?
Débora: Entre homens e mulheres não vejo diferença. Eu percebo é que, por exemplo, as pessoas de fora que não querem nos dar espaço, procuram as pessoas mais leigas, as menos preparadas, evitam falar com alguém que vai bater de frente com eles.
E na luta por melhorias, homens e mulheres atuam da mesma forma?
Débora: Eu acho que as mulheres aqui, na minha comunidade, têm se destacado muito. Porque no movimento as mulheres jovens participam mais das atividades, das oficinas: elas estudam, aprendem e colocam em prática o que aprendem. E tem também a nossa preocupação com as crianças, com a escola dominical – que a nossa comunidade é evangélica – então nós buscamos coisas novas pras crianças, e também que eles entendam a nossa luta. Então, na minha opinião, as mulheres na minha comunidade estão se destacando mais que os homens.
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Rita de Cássia dos S.N. Souza, Cassinha, coordenadora do Pólo Sindical de Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco PE/BA, um filho, 34 anos.
Quais são as principais reivindicações do movimento sindical rural hoje?
Cassinha: Respondendo já especificamente para as mulheres, uma das coisas maiores urgências é a implantação de Órgãos Regionais para atendimento a mulheres que sofrem violência doméstica e no campo. Aqui na região não existe delegacias de mulheres, só em Paulo Afonso (BA). Na Previdência Social deve ser considerado como igual direito em documentos que comprove a identidade rural, tanto do cônjuge quanto o da companheira. É necessário também que haja políticas públicas de saúde mais justas, tanto a reprodutiva quanto a da 3ª idade. Também é preciso que haja menos burocracia dos agentes financeiros para acesso a política de crédito; além de geração de trabalho e renda para mulher.
Para o movimento sindical eu acho que as mulheres ainda participam pouco – embora muitas toquem a produção, cuidem da comercialização, ainda não participam politicamente tanto. Precisamos de mais mulheres e também de uma discussão mais consistente sobre gênero, de uma formação específica. Porque a discriminação e a desvalorização da mulher na região são tão grandes que às vezes as mulheres, mesmo atuando, não percebem isso; então é preciso mais qualificação também para a militância feminina.
E na luta sindical cotidiana há diferenças na atuação de homens e mulheres? Se há, quais são elas?
Cassinha: Há sim, tanto das instituições quanto dos próprios companheiros. No meu caso eu percebo certas cobranças; há quem considere que a mulher é mais mole, menos radicais. Algumas pessoas pensam: “Ah, ela reage assim porque é mulher, tinha que ser mais enérgica”. E mulheres e homens, de fato, reagem de modo diferente nas negociações. Com relação às instituições aconteceu uma vez numa reunião em que um representante da Chesf (Companhia Hidro Elétrica do São Francisco) reagiu à uma intervenção minha de maneira agressiva, violenta, alterando a voz, uma situação terrível. Eu tenho certeza que ele se sentiu à vontade para fazer isso porque eu sou mulher. E me pergunto também se ele tivesse feito isso com um homem se não outro companheiro não teria levantado para defende-lo, o que não fizeram comigo.
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