Reportagem Especial: Quilombolas vão à Brasília por seus direitos

Manoela Vianna

“O poder da Marinha é maior que o do presidente?”

Quilombolas da Ilha da Marambaia (RJ) viajaram mais de 20h até Brasília para esclarecer a falta de informação sobre o processo de titulação da ilha. O relatório técnico do Incra que confirma o direito às terras da comunidade já foi concluído, mas não publicado como obriga o decreto do presidente Lula.

Durante três dias – de 27 a 29 de junho – um grupo de 26 quilombolas percorrereu a capital federal em busca de respostas para a estagnação do processo de titulação das terras quilombolas da Ilha da Marambaia, garantido pela constituição. O esforço do grupo foi considerado positivo pelos quilombolas, apesar da ausência de respostas concretas.

Entre os quilombolas estavam ilhéus da Marambaia – em geral pescadores; representantes da Associação de Comunidades Quilombos do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj); e ex-moradores da comunidade. A comitiva também foi formada por assessores de Koinonia, entidade que faz parte da Campanha Marambaia Livre!

Foram realizadas nove audiências que reuniram mais de 12 autoridades públicas, embora o processo legal de regularização de terras quilombolas envolva, a rigor,  o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Assim, além de realizarem encontros com representantes desses órgãos, os quilombolas também foram recebidos por autoridades da: Casa Civil; Ministério da Defesa; Secretária Especial de Direitos Humanos (Sedh); Secretaria de Promoção de Políticas Públicas de Igualdade Racial (Seppir); Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão; 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal; Comissão dos Direitos Humanos da Câmara; Fundação Cultural Palmares (FCP); e  no Gabinete do Senador Paulo Paim.

As audiências:

FCP e SEDH – renovação de apoio sem respostas novas

O primeiro encontro da comunidade, no dia 27, realizou-se na sede da Fundação Cultural Palmares. Os quilombolas foram recebidos pela Procuradora da FCP Ana Maria Oliveira e por Perli Cipriano, representante da Sedh. A comunidade também estava acompanhada pelo Pastor Clay Peixoto, Presidente do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), – entidade que aderiu à Campanha Marambaia Livre!

Apesar da cordialidade, o representante da Sedh abriu a reunião demonstrando falta de informações sobre a conjuntura do caso da Marambaia, pois afirmou que para solucioná-lo o caminho seria uma reunião com todos os órgãos envolvidos na causa.

Vânia Guerra – presidente da Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia (Arqimar) – explicou a Cipriano que já está formado um grupo de trabalho informal que vem discutindo o caso sem a participação da comunidade e que os quilombolas estavam em Brasília para cobrar a publicação do relatório técnico do Incra. “Na ilha não chegou a democracia. Até onde vão nossos direitos? Por que a Marinha pode ir tão longe?”, perguntou Guerra às autoridades presentes.

Perli Cipriano se comprometeu a acompanhar a comunidade em todas as reuniões que teriam em Brasília, mas não participou de nenhumas das audiências que se seguiram na visita da comunidade à capital.

A procuradora Ana Maria revelou que a Marinha enviou uma proposta de área e de ocupação da Ilha, em resposta ao relatório do Incra. Ainda segundo a procuradora da FCP, os órgãos do governo (FCP, MDA, Seppir e Incra) elaboraram uma resposta conjunta que aguarda o retorno do comando militar. Ana Maria afirmou que na reunião com a Casa Civil os quilombolas teriam acesso a esses documentos. Mas isso não ocorreu e não houve confirmações de outras autoridades que todos essas propostas, mencionadas pela procuradora, existem. Da mesma forma que Cipriano, Ana Maria se comprometeu a acompanhar a comunidade em todas as reuniões, mas só compareceu às audiências no Ministério da Defesa e com a Casa Civil.

Finalizando a reunião, o Pastor Clay declarou a posição de sua entidade na situação dos quilombolas: “O Conic está aqui para apoiar a comunidade e principalmente ser testemunha de respostas, afirmações e satisfações que os representantes do governo darão aos quilombolas durante as audiências.”  De fato, o Pastor Clay presenciou a trajetória de encontros que a comunidade realizou na capital, acompanhando praticamente todas as reuniões de que a comitiva participou. Além disso, o Conic teve um papel importante de apoio à organização da programação do grupo em Brasília.

Repórteres do jornal Correio Braziliense acompanharam esse primeiro encontro e publicaram, no dia 28 de junho, uma notícia sobre a ida da Marambaia à Brasília e a negação de direitos que a população vem sofrendo desde os anos 70.

Incra Nacional e MDA- parceiros da comunidade?

Metade do grupo dos quilombolas que formavam a comitiva da viagem compareceu à reunião na Sede do Incra Nacional, que contou com a presença de Renata Leite, integrante do Programa de Promoção da Igualdade de Gênero, Raça e Etnia (PPIGRE) do MDA, e Rui Leandro Santos, Coordenador Geral de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra. Leite justificou a ausência da comunidade no GT que está tratando do caso da Marambaia afirmando que os quilombolas já foram ouvidos na produção do Laudo Antropológico.  Esse laudo foi solicitado pela FCP, realizado por Koinonia e finalizado em 2004.

As autoridades governamentais explicaram que o relatório técnico do Incra não foi publicado, porque antes disso o governo estaria fazendo todos os esforços para que o processo não chegue a juízo. Caso isso ocorra, Renata Leite acredita que a comunidade esperará muito tempo para ver a questão resolvida. A representante do MDA disse que eles estão elaborando um Termo de Ajuste de Conduta (TAC). Pela primeira vez, oficialmente, a comunidade foi informada de que para que as terras sejam tituladas será preciso que os quilombolas e a Marinha criem regras de conduta para utilizarem o território.

Um dossiê produzido pela Campanha Marambaia Livre!, que contém o mapa da Ilha da Marambaia, feito pelos moradores, com as áreas que a comunidade reivindica, foi oferecido a Rui Leandro e Renata Leite, mas ambos resistiram a aceitá-lo: “Eu sonho com esse mapa e com o de Alcântara”, desprezou Renata Leite. A comitiva insistiu na oferta, para explicar a escolha das áreas determinadas no relatório técnico. Rui Leandro rejeitou a oferta do documento afirmando que já conhecia o mapa. E em clima de constrangimento, os quilombolas conseguiram entregar o documento. A reunião foi encerrada com Renata Leite afirmando que os esclarecimentos mais importantes seriam dados na reunião com a Casa Civil, informação repetida por todas as autoridades que receberam a comunidade em Brasília.

Senador sensível à causa dos quilombolas

Enquanto parte dos representantes da comunidade reunia-se no Incra o outro grupo se encontrou com a assessoria do senador Paulo Paim (PT/RS) – autor do Estatuto da Igualdade Racial. Ao que tudo indica esse contato conseguiu mais um apoio para os quilombolas da Marambaia. Na semana seguinte à visita da comitiva à capital, o senador fez um discurso no plenário do senado apoiando os quilombolas, denunciando as violações de direitos que eles sofrem e cobrando do governo a titulação das terras da comunidade.

Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados Federais adere à Campanha Marambaia Livre!

O mesmo grupo que visitou o Gabinete de Paim se encontrou com o Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, dep. Luiz Eduardo Greenhalgh, e com sua assessora Sônia Palhares. O Deputado admitiu que não conhecia o caso, mas leu o documento, entregue pela comunidade, e aderiu à Campanha Marambaia Livre! Greenhalgh telefonou imediatamente para o Presidente do Incra, Rolff Backart, e pediu esclarecimentos sobre o caso. Backart explicou que o Relatório será publicado quando as negociações conduzidas pela Casa Civil se encerrarem. O deputado também telefonou para a Chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, mas não conseguiu encontrá-la. Como resultado desse encontro ficou o compromisso da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara acompanhar a negociação conduzida pela Casa Civil, além de enviar assessores às reuniões que a comunidade teria em Brasília.

Em busca dos Direitos do Cidadão

“Nós queremos saber em que a senhora pode nos orientar com a titulação de nossas terras?”. Essa fala de Dionato da Lima, mais conhecido como Seu Naná, abriu a audiência da comunidade com a Procuradora Ela Wiecko, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Wiecko explicou que seu cargo não possibilita acionar o governo para que titulem as terras da Ilha, mas é possível denunciar e cobrar respostas às violações de direitos que a comunidade vem sofrendo. Para isso ela pediu que os moradores da ilha contassem o que estão passando.

Bárbara Guerra, moradora da ilha, relatou que não há ensino médio na comunidade. Segundo ela, os adolescentes que querem estudar precisam passar o dia todo em Itacuruçá esperando a embarcação para retornar à Ilha. A jovem continuou relatando casos da ausência de serviços públicos que são direitos fundamentais: “A Marinha não permitiu a entrada de um dentista que quis tratar dos moradores na Ilha. E já se passaram duas campanhas de vacinação que não chegam à comunidade.”

A procuradora se comprometeu a acompanhar o caso e denunciá-lo às esferas competentes. Para Ela, a comunidade deve fazer articulações com a AGU (Advocacia Geral da União) para obter apoio no processo de titulação – que, segundo ela, provavelmente vai ser resolvido na Justiça.

Ministério da Defesa recebe comunidade oprimida pela Marinha

Inicialmente só seria possível que 15 pessoas participassem da reunião no Ministério da Defesa, mas após o pedido insistente da comunidade foi permitida a entrada de  toda a comitiva, além de assessores da Comissão de Direitos Humanos da Câmara e da Procuradora da FCP, Ana Maria Oliveira. Também participaram da audiência o chefe de gabinete do Ministro Waldir Pires, Ricardo Midlej, e quatro senhores, que não se apresentaram à comunidade.

Midlej questionou Vânia Guerra sobre o motivo da reunião e ela respondeu que  eles queriam saber como estavam sendo conduzidas as negociações a respeito da titulação das terras quilombolas. “Por parte do governo , queremos dizer que é de nosso interesse resolver a questão e vocês não precisam se preocupar,” afirmou Midlej.

A partir daí, os moradores da Ilha começaram a relatar casos de arbitrariedade por parte da Marinha para ilustrar como o único poder público presente lá é do comando militar. Além disso, Adriano de Lima, ex-morador da comunidade, pediu respeito aos quilombolas e atenção das autoridades que vão à Marambaia e muitas vezes nem sequer entram em contato com eles. O chefe de gabinete rebateu dizendo que a comunidade havia recebido uma visita do GT do governo há cerca de um ano, explicando o impasse. Vânia Guerra disse que era difícil lembrar, pois a passagem dos representantes do governo foi muito rápida, e quase ninguém da Ilha pôde ser avisado de tal visita.

Depois dos relatos, a presidente da Arquimar perguntou diretamente se haveria redução da área, reivindicada pelos quilombolas. Midlej respondeu que não e a procuradora da Palmares confirmou a resposta do assessor do ministro. Ele explicou que seria proposto um TAC, mas não deu prazo para que isso ocorra.

O encontro não deu respostas conclusivas à comunidade, mas a possibilidade de falar abertamente sobre os problemas da Ilha com representantes das Forças Armadas proporcionou grande satisfação aos quilombolas.

Casa Civil: responsáveis pelo caso não responderam à comunidade

O último dia da comunidade em Brasília começou com a reunião que prometia ser a mais esclarecedora. Até aquele momento os quilombolas da Marambaia continuavam sem garantia de direitos e com dúvidas não respondidas nas reuniões anteriores. Qual área seria titulada? Haverá titulação ainda nessa gestão? Há prazo para que o impasse se resolva? Condicionado o direito às políticas públicas à tulação não está fora da lei?

A reunião na Casa Civil foi também a mais difícil de ser agendada, pois as autoridades se negavam a receber a comunidade. Acabaram sendo persuadidas com os esforços do Conic; do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e de Koinonia. A Casa Civil se recusava a marcar o encontro alegando que não teria novidades no processo para informar, mas há um ano a Marinha vem sendo ouvida nas reuniões do GT e os quilombolas jamais haviam tido a mesma oportunidade.

A comunidade foi recebida por Luis Henrique Paiva, Assessor da Subchefia de Articulação e Monitoramento da Casa Civil, representando Miriam Belquior, responsável pelas negociações com a Marinha. Além disso, participaram da reunião Ana Maria Oliveira, procuradora da FCP; Renata Leite, do MDA; dois representantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara; Pastor Clay, do Conic; Maria Palmira da Silva, Diretora da Subsecretaria de Comunidades Tradicionais da Seppir; e Ianê Germano, Consultora da Seppir. A presença de representantes da Seppir causou estranhamento, pois até o último momento do agendamento das audiências o órgão alegou não ter tempo para receber a comunidade.

Paiva abriu a reunião contando que não tem um bom relacionamento com a imprensa. Julgou ser um erro do jornalista a declaração de Vânia Guerra publicada no Correio   Braziliense:  “Não sabemos o que acontece e como estão resolvendo nossa vida.” Mas Vânia reiterou sua afirmação: “Não foi um erro. Foi exatamente isso que eu disse.” Ela explicou que o sentimento dos quilombolas é aquele mesmo. Afinal, durante quase um ano, o governo não demonstrou que está empenhado em resolver os problemas da Ilha. “Tivemos que vir à Brasília para falar frente a frente com todos, pois, quando vão à Ilha, os órgãos governamentais sempre estão com o comando da Marinha e muitas vezes nem falam com a comunidade.” Guerra também mencionou a visita que Miriam Belquior havia feito à Ilha em junho, sem que os moradores fossem comunicados. Outros quilombolas, como Adriano de Lima, Dionato Eugênio e Bárbara Guerra, lembraram da visita do Presidente Lula durante o Carnaval, que também não os recebeu; do prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, que nem sequer conversou com algum morador da Ilha e escreveu um artigo publicado no jornal O Globo contestando a identidade quilombola dos ilhéus. A ida da Ministra da Seppir, Matilde Ribeiro, também foi criticada, pois ela conversou com a comunidade acompanhada de militares.

Paiva explicou que o governo ainda não procurou a comunidade para informar sobre o processo de regularização porque ainda existem muitas “arestas” entre órgãos do governo que precisam ser resolvidas para que alguma proposta possa ser apresentada. Ele disse que foram realizadas várias reuniões com a Marinha, MDA, Incra e Seppir e afirmou:  “Já temos avanços não consolidados.” O discurso do assessor da Casa Civil  foi o  mesmo usado pela representante do MDA e do Incra: O governo não avançou nas etapas para chegar à titulação para que o processo não pare na Justiça.

Nesse momento, a representante da Seppir, Palmira da Silva, admitiu que a Seppir está distante da comunidade e disse que a Ministra Matilde havia designado Ianê Germano para servir como interlocutora da Seppir junto aos quilombolas da Ilha. Ela também comunicou que a Ministra havia voltado de viagem e estava disposta a recebê-los naquele mesmo dia, à tarde.

As representantes da Seppir foram respondidas com mais críticas. “Tivemos que vir até aqui para ouvir alguma resposta. Porque lá (na Seppir) não conseguíamos informações. Queremos ser informados. Queremos que o governo nos responda, não podemos aceitar a falta de interlocução”, afirmou a representante da Acquilerj Laura Maria dos Santos. Sônia Palmares, da CDHC, pediu que ficasse registrado que havia enviado dois ofícios às autoridades governamentais sobre a questão da Marambaia e não obteve resposta.

A comunidade não estava em Brasília reivindicando somente a titulação das terras, mas também queriam esclarecer a ausência de direitos fundamentais na Ilha. Daniele de Lima denunciou a falta de políticas públicas. “Por que isso acontece? O poder da Marinha é maior que o do presidente?”, questionou a jovem. Adriano Lima, pai de Daniele, completou: “Queremos prazos. Viemos até aqui e queremos coisas concretas. Hoje a Marinha já questionou  (a proposta da demarcação de terras da comunidade). A gente quer ter acesso a isso”

Luiz Henrique afirmou que a  Ministra Dilma Roussef não quer que os órgãos do governo briguem entre si e completou: “Não sou tolo de dar prazos a vocês para que a questão se resolva. Às vezes algum mau acordo é melhor do que uma boa briga. Na melhor das hipóteses resolveremos a questão nesta gestão, mas na próxima gestão é mais provável. E o TAC é uma necessidade.

Outros moradores da comunidade insistiram em denunciar a ausência dos direitos fundamentais para a comunidade. Luiz Henrique foi questionado sobre a falta de transporte, e Maria da Guia, moradora da Ilha, quis saber se os quilombolas poderiam desde já começar a reformar ou ampliar as casas. “Esse tipo de questão deve ser visto com equilíbrio. Esse tipo de questão vem depois da titulação”, afirmou Paiva, condicionado os direitos fundamentais constitucionais à titulação das terras da comunidade remanescente de quilombo.

O debate sobre a omissão do governo continuou. Muitos quilombolas disseram que a sensação que têm era de que a autoridade máxima para eles não é o Presidente da República, mas sim o Comando Militar. Afirmaram ainda que é muito difícil a comunicação com o atual governo, que em princípio era voltado para os grupos mais vulneráveis.

Renata Leite interveio dizendo que a Marinha já está sensível à causa e está cedendo aos poucos. Segundo ela, a Marinha já reconhece a comunidade como quilombola. A representante do MDA lembrou que hoje vivemos uma democracia e que em outras épocas os quilombolas nem seriam recebidos. Bárbara Guerra reagiu dizendo que o governo não estava fazendo nenhum favor ao recebê-los. Disse também que a afirmação de consenso sobre o reconhecimento da comunidade quilombola na Ilha é duvidosa. Exemplificou com o caso de um Simpósio realizado na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em fevereiro deste ano, em que professores e alunos de uma instituição federal ignoraram a existência da comunidade remanescente de quilombo na Ilha da Marambaia, ao não incluir os quilombolas em seus estudos sobre a região.

Luiz Henrique interrompeu a polêmica pedindo um pouco mais de paciência e confiança da comunidade. E a procuradora da FCP se comprometeu a ir à Ilha para explicar melhor como seria conduzido o TAC ao qual todos os órgãos se referiam. A reunião foi encerrada com os quilombolas afirmando que não aceitavam estar fora das negociações, pois, ainda que o governo dissesse que está defendo seus interesses, ninguém melhor que a própria comunidade para fazê-lo.

Ministério Público Federal: oposição ao governo sobre o caso da Marambaia

Após acumular mais respostas vazias na reunião na Casa Civil, a comitiva se encontrou com a procuradora Dra. Deborah Duprat na 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal. A procuradora já conhecia a situação da Ilha da Marambaia, mas ouviu novos relatos sobre as violações de direitos humanos que os moradores vêm sofrendo. Ela também pediu à comunidade para que contasse o que as autoridades declararam sobre o andamento do processo de regularização das terras quilombolas e sobre a falta de serviços básicos públicos na Ilha.

A partir dos relatos das audiências com as autoridades, Duprat afirmou: “O que está acontecendo na comunidade, como a negação dos direitos fundamentais e a paralisação do processo de titulação, está fora da lei.“ A Dra. Débora explicou que está havendo uma briga dentro do governo, mas que a Ministra Matilde Ribeiro da Seppir deve respostas à comunidade. A procuradora acredita que o caso da Marambaia deveria ser visto como fácil para titulação das terras, pois apenas é preciso que o governo federal resolva a questão, já que tudo está no âmbito da União.

“É um absurdo que as políticas públicas não cheguem à  Ilha”, declarou Duprat, dando o exemplo do programa do Governo Federal Luz para todos: “O Luz para todos é um escândalo”, se referindo ao fato de que na parte da ilha que é ocupada pela Marinha há eletricidade e nas terras quilombolas não há. Segundo a procuradora, o MPF não vai aceitar a afirmação que às vezes “algum mau acordo é melhor do que uma boa briga”, dada a comunidade por Luis Henrique Paiva, Assessor da Casa Civil.

O direito dos quilombolas é constitucional e o direito de uso de propriedade da União está abaixo disso, explicou a procuradora que completou dizendo que é uma atitude irresponsável da Casa Civil ter condicionado a implementação de políticas públicas à concretização do processo de regularização fundiária. A reunião foi encerrada com o compromisso da Dra. Débora Duprat de apoiar a comunidade no que for possível e se articular com o procurador do MP da Angra dos Reis (RJ), que está cuidando do caso.

Comunidade se despede da capital consciente de que Seppir não tem força de ação

Até os últimos momentos de articulação da programação de reuniões em Brasília, a Seppir negou-se a receber a comunidade, mas durante a audiência na Casa Civil assessoras da Secretária insistiram que a Ministra Matilde gostaria de conversar com os quilombolas. Assim, após inúmeras audiências, na noite do dia 29 de junho a comunidade reuniu-se com a Ministra Matilde Ribeiro e algumas assessoras.

A Ministra iniciou a reunião dizendo que estava à disposição para ouvir as demandas da comunidade. Vânia Guerra disse que a comunidade ficou muito decepcionada com a postura da Ministra, durante visita à Ilha da Marambaia. Segundo ela, os quilombolas se sentiram oprimidos quando se reuniram com Ribeiro na Ilha e ela estava acompanhada de oficiais da Marinha. “A opressão na Ilha não passou”, informou a presidente da Arquimar à Ministra.

Mais uma vez a ausência de políticas públicas foi destacada pela comunidade: “A Dra. Débora Duprat disse que a Seppir poderia implantar as políticas públicas na comunidade, já a Casa Civil acredita que estas não podem chegar na ilha até que seja feita a titulação. Por que as políticas públicas não chegam?” perguntou Daniele Lima.

“Quando a gente é do governo, a gente tem limites. O fato da Seppir não atender a todas as demandas de vocês não é traição, é só o jogo institucional”, respondeu a Ministra, explicando ainda que foi usando essa estratégia de jogar o jogo institucional que ela foi à Ilha da Marambaia. “Não havia uma pauta para a minha visita”, continuou a ministra, se justificando. Vânia respondeu dizendo que os militares informaram o contrário do que a ministra acabara de afirmar. “Eu fui (à Marambaia) só para me apresentar, não para peitar a Marinha, nem a comunidade,” insistiu a ministra.

Segundo Ribeiro, as negociações sobre o processo de regularização fundiária da Ilha estão coordenadas pela Ministra Dilma, e a Ministra da Seppir se comprometeu a visitar a Marambaia para se apresentar. Assim, Matilde Ribeiro não poderia fazer nenhuma intervenção nas negociações, pois essas só poderiam ser feitas com o aval da Casa Civil. A Ministra Dilma não concorda com  brigas internas de órgãos do governo e que caso ela consiga  resolver  questão, o presidente Lula que decidirá, explicou Ribeiro e completou: “Hoje a negociação não foi fechada”

Vânia entregou o dossiê da Marambaia à Ministra, que lamentou a violação de direitos na comunidade, afirmou que considera fundamental a titulação das terras quilombolas e selou um compromisso com a comunidade: “Vou me comprometer a analisar as demandas que estão nesse novo dossiê. Produzirei um documento aos ministros para que eles analisem também essas demandas e a partir daí dialogarei com eles.” A reunião foi encerrada com a Ministra estipulando um prazo de 40 dias para responder a comunidade sobre suas reivindicações.

E após mais de 20h os quilombolas da Marambaia retornaram à Ilha e também voltaram a continuar a aguardar a garantia de seus direitos. Hoje a comunidade, e outras inúmeras outras quilombolas de todo o País, completam 18 anos, sete meses e 27 dias de espera pela titulação de suas terras, direito assegurado pelo artigo 68 da Constituição Federal Brasileira de 1988. Ao menos o direito a ser ouvida pelas autoridades foi conquistado, em Brasília, pela comunidade remanescente de quilombo da Ilha da Marambaia.

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Em defesa dos quilombolas da Marambaia

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Quilombolas da Marambaia em Brasília

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