Em defesa dos quilombolas da Marambaia

Manoela Vianna

A comunidade quilombola da Ilha da Marambaia, localizada no município de Mangaratiba (RJ), vem sofrendo diversas violações de direitos por parte da Marinha, que possui o controle da Ilha.

Um exemplo de negação de direitos aos quilombolas é a proibição da entrada de representantes de movimentos sociais na Ilha.

Em dezembro de 2005, KOINONIA, que há cerca de sete anos assessora a comunidade, foi impedida de entrar na ilha onde iria desenvolver as atividades do Projeto Etnodesenvolvimento Quilombola, que capacitaria a população para a elaborar uma proposta de desenvolvimento sustentável com recursos do MDA.

Como resposta à violação aos direitos sociais e civis dessa população, o Projeto Brasil Sustentável e Democrático da ong FASE, por meio da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, e KOINONIA estão iniciando uma campanha em apoio à reivindicação da comunidade pela regularização fundiária e pela garantia de seus direitos.

Os primeiros passos dessa campanha foram a elaboração de uma carta denunciando a situação de isolamento e negação de direitos fundamentais as autoridades e órgãos responsáveis e o recolhimento de assinaturas. 

Leia a carta e participe:

 

Carta de repúdio

ao cerceamento dos direitos humanos da comunidade da Ilha de Marambaia pela Marinha do Brasil,

 e

à proibição de acesso da sociedade civil organizada e solidária pela  promoção do Desenvolvimento Humano e Sustentável aos ilhéus  quilombolas

 

Para: Presidência da República, Ministério do Meio Ambiente, Ministério da Justiça, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Defesa, Secretaria Especial de Direitos Humanos, Secretaria Especial para promoção da Igualdade Racial, Fundação Cultural Palmares,

 

Copia: INCRA, CNPT/IBAMA, Defensoria Pública, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual(RJ), Comissão de Meio ambiente da ALERJ, Núcleo de direitos Humanos da Procuradoria do Estado, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Secretaria de Estado de Justiça e Direitos dos cidadãos (RJ), Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (ITERJ), Ministério da Educação e Cultura, Prefeitura do Rio de Janeiro.

 

A comunidade da Marambaia ocupa esta Ilha, no litoral de Mangaratiba,  há mais de 100 anos, constituindo um território étnico onde vivem descendentes diretos ou indiretos de negros escravizados que ali aportavam por ser um dos  pontos de desembarque do tráfico. 

Essa população vem enfrentando, nas últimas três décadas graves violações de seus direitos fundamentais. Tal fato se deve à ação da Marinha de Guerra desde que a ilha foi declarada, em 1971, Área de Segurança Nacional abrigando o Centro de Adestramento da Ilha da Marambaia (CADIM).

Desde então, sob o arbítrio da Ditadura Militar, e ainda hoje sem regras democráticas implantadas, as quase 100 famílias moradoras passaram a sofrer com os riscos de treinamentos militares, além de ter perdido praticamente todos os serviços públicos antes oferecidos, assim como postos de trabalho. Foram suprimidos direitos corriqueiros no nosso ordenamento jurídico como o de ir e vir, transporte regular, livre associação social e política, plantio de roças, moradia digna, escola e hospital, privacidade de correspondência, melhoria da qualidade de vida.

         Ainda que reconhecida pela Fundação Cultural Palmares, a partir de laudo antropológico, como comunidade remanescente de quilombo, os procedimentos legais para a regularização fundiária da ilha conferindo aos moradores o direito a título coletivo da propriedade da terra ocupada só puderam ser iniciados pelo INCRA neste último mês de fevereiro, através de uma liminar judicial, pois a Marinha vem impedindo a entrada dos técnicos do órgão na ilha e, mesmo com a liminar, dificultou a conclusão do trabalho de cadastramento das famílias.

         Livres da ação dos senhores escravagistas, esses quilombolas vivem agora sob o jugo dos senhores da guerra, ainda que em tempos pacíficos, conhecendo apenas a face autoritária e arbitrária do poder de Estado.

Argumentos ambientalistas são usados para confundir a já desinformada opinião pública e sustentar uma estratégia de expulsão e de expropriação aos ilhéus do seu direito coletivo à terra. Afirma-se, por exemplo, que os moradores são responsáveis pela degradação da área omitindo que os treinamentos de guerra, o uso privado da ilha para turismo dos familiares e convidados dos militares – praticando, inclusive pesca predatória de mergulho -, e a intensa produção de lixo, produzem impactos ambientais.

Ao contrário, a prática de pesca artesanal  obedecendo aos ciclos da reprodução dos pescados -, as roças cultivadas com técnicas limpas, o saber tradicional, e os hábitos de consumo dos ilhéus sem quase descarte protegem indubitavelmente o ambiente físico.

Além disso, postula-se o risco de favelização da Ilha ignorando que o título concedido a tais comunidades é coletivo e inalienável e que populações tradicionais têm relação sustentável com o território e são receptivas a programas de manejo e uso sustentável do solo. Assim, a segregação que as famílias negras da Marambaia historicamente enfrentam somada à injustiça ambiental a que estão submetidas faz deste um dos mais notáveis casos de racismo ambiental do país.

          Agravando tal situação, há um isolamento imposto aos moradores em relação a entidades e atores sociais vinculados à luta pelos direitos humanos, impedidos de entrar na ilha, fato que vem ocorrendo desde dezembro de 2005 com a equipe de Koinonia.

           Esta entidade é a responsável pelo já concluído laudo antropológico de identificação exigido pela Procuradoria Geral da República, não podendo ingressar atualmente na Ilha para implementar um projeto de Etnodesenvolvimento Quilombola em parceria com o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA).  Também a Comissão de Meio Ambiente da ALERJ foi impedida de entrar na ilha no dia 20 de fevereiro, numa verdadeira ação de guerra,  ainda que seja uma Área de Proteção Ambiental (APA) do Estado do Rio.

          Repudiamos os atos da Marinha de Guerra como vestígios anacrônicos do finado regime militar, portanto inconstitucionais e negadores da vigência de um Estado Democrático. Em busca  da justiça social e da sustentabilidade de um Estado Democrático, repudiamos a atuação de agentes públicos que reproduzem uma lógica da Doutrina de Segurança Nacional dos amargos tempos da Ditadura Militar e que faz parte, inaceitavelmente, para a população da Marambaia, do seu insuportável cotidiano.

          Reivindicamos a implementação imediata do DIREITO COLETIVO Á TERRA e dos DIREITOS CIVIS  da comunidade da Ilha de Marambaia e   sua  livre convivência com a sociedade civil organizada e solidária pela  promoção do seu Desenvolvimento Humano e Sustentável .  

Rio de Janeiro, 06 de março de 2006

KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço

Projeto Brasil Sustentável e Democrático FASE

 

Os interessados em aderir à carta podem enviar adesões para brsust@fase.org.br e oq@koinonia.org.br  

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