Antes de entrar em recesso, o Congresso brasileiro tem escancarado as bandeiras que verdadeiramente defende.
Enquanto as redes sociais fervem com debates sobre a escala 6 x 1 e a taxação de super-ricos, uma pauta silenciosa, mas também de extrema relevância, está prestes a abrir o caminho “para a boiada passar”.
Hoje (14 de julho), está prevista a votação do Projeto de Lei 2.159/2021, que vem sendo apelidado de PL da Devastação. Ao flexibilizar o licenciamento ambiental no Brasil, o PL deve ser compreendido como parte de uma estratégia do capital para aprofundar o controle sobre os bens comuns da natureza e eliminar barreiras jurídicas à sua exploração. Essa medida, aparentemente técnica, carrega implicações estruturais: ela representa a conversão da crise ecológica em oportunidade de negócios para setores hegemônicos do agronegócio, da mineração e da infraestrutura. Trata-se de mais um capítulo da reconfiguração das funções do Estado em favor de grupos econômicos dominantes.
Justamente no ano em que o Brasil será a vitrine das discussões climáticas ao sediar a COP 30 na Amazônia, Congresso e Senado não hesitam em atropelar os mais diversos alertas técnicos e ignorar um manifesto assinado por 350 organizações e movimentos sociais.
Segundo a advogada Suely Araújo, ex-presidente do Ibama que hoje integra o Observatório do Clima: “Estamos diante do pior retrocesso de nossa legislação ambiental nas últimas quatro décadas ou mais.”
A tramitação tem sido marcada por aceleradas manobras regimentais, com pareceres aprovados em comissões simultâneas e inclusão de emendas de última hora.
O que há de tão nocivo no PL da Devastação?
- Dispensa generalizada de licenciamento ambiental para uma ampla lista de atividades econômicas, incluindo agricultura, infraestrutura e obras arbitrariamente classificadas como “de baixo impacto”;
- Permite que o próprio empreendedor se autodeclare em conformidade com a lei, substituindo análises técnicas dos órgãos ambientais;
- Reduz drasticamente os prazos para análise e sufoca a participação de comunidades e do Ministério Público.
Na prática, o projeto cria brechas para legalizar o desmatamento, a grilagem e violações a direitos humanos, fragilizando ainda mais a proteção dos ecossistemas e dos territórios tradicionais.
Para organizações como KOINONIA, que atua há mais de vinte anos na defesa dos direitos territoriais de comunidades quilombolas, esse PL representa um retrocesso histórico. De acordo com uma nota técnica publicada pelo Instituto Socioambiental (ISA), a proposta ameaça mais de 80% dos quilombos e 32% das Terras Indígenas, pois justamente exclui do processo de licenciamento territórios quilombolas não titulados e áreas indígenas não demarcadas. Além disso, o PL dispensa consulta prévia a comunidades afetadas, violando tratados internacionais e a Constituição Federal.
Não que o sistema atual seja perfeito. Ele já tem falhado historicamente em proteger os verdadeiros guardiões das águas e florestas — povos e comunidades tradicionais. Mas, diante do colapso climático, o que o Brasil precisa é de leis ambientais mais robustas, não de um desmonte.
Quando o capitalismo entra em crise (econômica, ecológica, fiscal ou política), uma de suas respostas é flexibilizar direitos e regulamentos, tanto ambientais quanto trabalhistas, com o objetivo de restaurar as taxas de lucro. Isso se dá por meio de reformas institucionais, como a que está sendo promovida pelo PL da Devastação.
Porém, enquanto as pautas da escala 6 x 1 e a taxação dos super-ricos suscitam milhões de reações nas redes sociais, o PL da Devastação infelizmente não teve a mesma repercussão entre a população.
A verdade é que esses temas estão todos conectados, mantendo inalterada a estrutura que define quem lucra e quem perde neste país — sempre às custas dos povos e do clima.
O foco agora deve ser na pressão para que o Presidente Lula vete o projeto e que o Brasil assuma a liderança neste ano da COP 30 em Belém, mandando um recado inequívoco para o mundo de que a pauta climática é urgente. KOINONIA seguirá ecoando a voz de povos e comunidades que há gerações preservam a Natureza com seus modos de vida.
É tempo de escolher: seguir premiando a destruição ou reconhecer, de uma vez por todas, quem sustenta a vida.
Por Rosa Peralta
Assessora de Relações Institucionais KOINONIA