Entre o céu e a terra há povos tradicionais a serem incluídos nas decisões globais sobre o clima

Por Iane Lima – Quilombola Agente de Ação pelo Clima

O seminário “Entre o Céu e a Terra: Religiosidade e Mudanças Climáticas”, promovido pela KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, aconteceu nos dias 23 de agosto de 2025, no Rio de Janeiro. O encontro reuniu lideranças religiosas, quilombolas, indígenas, pesquisadores, parlamentares e ativistas ambientais com o objetivo de refletir sobre como espiritualidade, justiça climática e saberes ancestrais podem se entrelaçar na luta contra os impactos das mudanças climáticas. A proposta foi clara: construir pontes entre fé e ação, entre céu e terra, reconhecendo que os territórios periféricos e tradicionais são os primeiros atingidos pelas consequências do desequilíbrio ambiental.

Foram discutidos temas como racismo ambiental, negacionismo climático, desinformação e a urgência de políticas públicas inclusivas. Relatando os efeitos diretos das mudanças em seus territórios — enchentes, secas, perda de biodiversidade — reforçando que quem vive em harmonia com a natureza é quem mais sente suas transformações. A Amazônia também é um território quilombola, já que grande parte dos povos quilombolas está situada nela, atuando como guardiões da floresta e da vida.

Cientistas alertaram que há cerca de 40 pontos críticos relacionados ao aquecimento global do solo e da atmosfera que não podem mais ser revertidos, muitos deles originados desde a Revolução Industrial. Hoje, já existem migrações causadas pelas mudanças climáticas, e chegamos à COP 30 com um retrocesso alarmante. Apesar disso, as organizações quilombolas e os povos originários estão mais fortes, articulados e numerosos, mesmo diante de uma democracia falha. Temos muito a ensinar sobre resistência, cuidado com a terra e modos de vida sustentáveis.

O racismo ambiental também foi pauta: as pessoas mais afetadas pelas mudanças climáticas são justamente aquelas que menos contribuem para o aquecimento global. E a chamada “transição justa” foi questionada — justa para quem? Energia limpa não é tão limpa assim. A produção de energia elétrica exige mineração, e os minérios estão nos territórios tradicionais. A energia eólica causa grandes impactos na biodiversidade marinha, aviária e terrestre, por conta do barulho e da escala das turbinas. E com a energia solar, os impactos também existem. Então, é preciso perguntar: quem está pagando o preço dessa transição?

A crise ambiental está diretamente ligada à crise social, formando uma crise socioambiental. E há uma consciência crescente de que quanto mais territórios quilombolas e tradicionais forem titulados, mais preservado o meio ambiente estará. Foi ressaltado que não devemos aderir a costumes que não são nossos, pois isso enfraquece a preservação ambiental nos territórios tradicionais. Preservar a cultura é também preservar a natureza.

Como encaminhamentos, o seminário propôs a criação de uma rede inter-religiosa pela justiça climática, ações de formação comunitária sobre meio ambiente e espiritualidade, articulação com parlamentares para garantir políticas públicas efetivas, e a produção de materiais educativos com linguagem acessível e enfoque ecumênico. A liberdade que se busca é a do quilombo do povo negro — uma liberdade coletiva, territorial e espiritual. O seminário reafirmou que a crise climática não é apenas técnica ou científica, mas também ética, política e espiritual. E que a resposta precisa vir da soma maior e melhor entre saberes ancestrais, fé, ciência e ação concreta.

Por fim, foi discutida a importância da NDC — o documento dos pactos climáticos e das ações de financiamento. É necessário que haja uma NDC específica para cada povo tradicional, garantindo que suas realidades, saberes e necessidades sejam respeitados e incluídos nas decisões globais sobre o clima.




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