Por Magali do Nascimento Cunha.
“A democracia não se caracteriza apenas pela eleição direta. Tão ou mais importante que a forma da eleição, é o papel das minorias na democracia. Um governo que não respeita os direitos das minorias, não pode ser considerado democrático”. Estas palavras ecoaram pelo anfiteatro da Biblioteca Mario de Andrade lotado. Quem as pronunciou: o professor de Ciência Política, Prefeito da Cidade de São Paulo, Fernando Haddad. Quem as ouviu: beneficiários e beneficiárias do Transcidadania, programa da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, para reinserção social e resgate da cidadania para a população lésbica, gay, bissexual e transexual (LGBT) em situação de vulnerabilidade. Era a aula inaugural de um dos projetos que compõem o programa Transcidadania: o Curso Direitos Humanos e Democracia, realizado em parceria com a organização KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço.
“A democracia não se caracteriza apenas pela eleição direta. Tão ou mais importante que a forma da eleição, é o papel das minorias na democracia. Um governo que não respeita os direitos das minorias, não pode ser considerado democrático”. Estas palavras ecoaram pelo anfiteatro da Biblioteca Mario de Andrade lotado. Quem as pronunciou: o professor de Ciência Política, Prefeito da Cidade de São Paulo, Fernando Haddad. Quem as ouviu: beneficiários e beneficiárias do Transcidadania, programa da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, para reinserção social e resgate da cidadania para a população lésbica, gay, bissexual e transexual (LGBT) em situação de vulnerabilidade. Era a aula inaugural de um dos projetos que compõem o programa Transcidadania: o Curso Direitos Humanos e Democracia, realizado em parceria com a organização KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço.
Reconhecendo na população LGBT um segmento social vulnerável nas relações de empregabilidade devido ao preconceito e discriminação pela orientação sexual e identidade de gênero, o Transcidadania é um programa de reinserção social e resgate de cidadania. Por isso desenvolve as atividades de formação e capacitação para o mercado de trabalho com uma rede de parceiros, levando em consideração grau de escolaridade, local de moradia, deslocamento até o espaço para a realização das atividades e habilidade de cada indivíduo. Tudo visando a sua emancipação enquanto sujeito de transformação da sua realidade, podendo desenvolver atividades tanto de cunho empreendedor como empregatícia. Para isso o Transcidadania, iniciado em janeiro de 2015, ofereceu, inicialmente, 100 vagas para travestis e transexuais, com duração de dois anos. Todas foram preenchidas, com prioridade para moradoras/es de rua atendidos em abrigos. Por meio do programa, cada participante tem direito a uma bolsa de R$ 827,40, com o compromisso de cumprir uma jornada semanal de 30 horas de dedicação à conclusão do ensino fundamental e médio por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA), acompanhar cursos profissionalizantes do Pronatec, realizar estágios e participar de cursos para a formação cidadã. O Curso Direitos Humanos e Cidadania é uma dessas oportunidades.
Direitos Humanos e Democracia
Marcaram presença no anfiteatro da Biblioteca Mário de Andrade, lotado de beneficiários/as do Programa, além do professor da aula inaugural, o Prefeito Fernando Haddad, o secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania Eduardo Suplicy, acompanhado do secretário-adjunto Rogério Sotilli. A programação foi conduzida pela coordenadora do Transcidadania Symmy Larrat.
A aula do Prefeito Fernando Haddad, que abriu as atividades do Curso de Direitos Humanos e Democracia, destacou a importância de se compreender o que é democracia, tema muitas vezes restrito à reivindicação, legítima, do voto direto nos governantes. Haddad destacou, durante toda a aula, que democracia é muito mais do que isto. Um dos pressupostos a serem observados nesta abrangência, segundo o Prefeito de São Paulo, é o papel das minorias sociais, que garantem o lugar das diferenças. Para ele, é preciso levar em consideração que todo governo democrático é um governo das maiorias, mas com a obrigação de preservar os direitos fundamentais das minorias.
Olhando para a história, o Professor Fernando Haddad retomou o processo de formação da noção de Estado Laico, que reforçava o “ser moderno” do século XIX: “o Estado precisava se emancipar dos seus constrangimentos”. O Estado Laico deve ser voltado, portanto, à garantia dos direitos de todos os seus cidadãos, maiorias e minorias. Para Haddad, o Brasil avançou muito ao longo da história, ao assegurar o direito de participação política, por meio do voto, a todas as pessoas, mulheres, negros, analfabetos, pobres, os jovens de 16 anos. Segundo ele, aí está construída a dimensão do governo de maioria.
No entanto, o país não tem avançado tanto no tocante aos direitos das minorias que vão para além do direito de votar. “Se o direito de cada cidadão não é respeitado, o Estado democrático está em questão”. Como o Estado democrático atende aos imigrantes, aos dependentes químicos, a LGBTs? Haddad lembrou que as empregadas domésticas somente tiveram os direitos trabalhistas reconhecidos plenamente 127 anos depois da abolição da escravatura. É um processo muito lento, este que envolve o respeito às liberdades individuais, os direitos civis e os direitos humanos. Segundo o Prefeito de São Paulo, muita gente não entende ou pratica esta dimensão, pois falta compreensão da democracia na sua totalidade.
E ele deu exemplos da falta de compreensão que vigora nesta questão. O caso da renda básica de cidadania: é um caso de direitos humanos, para que qualquer pessoa que tenha nascido no Brasil tenha o mínimo para sobreviver como direito individual. Também o tema da maioridade penal: “o que estamos querendo para os nossos jovens? Como enxergamos punição, recuperação?”, perguntou Fernando Haddad. Os direitos LGBT são outro exemplo que ele mencionou: ver por esta chave as liberdades individuais. Da mesma forma a questão dos direitos reprodutivos: “o que entendemos com relação a isto sob esta perspectiva?”.
Por isso, disse o professor, há aí um paradoxo: é mais democrático defender uma tese que contraria a maioria. “O governo de maioria não pode tudo porque, senão, está contrariando o conceito de democracia”. E citou as instituições que existem nas sociedades democráticas que vão dizer ao governo da maioria (governo federal e Congresso Nacional) quando é que ele não pode tudo: o Superior Tribunal Federal (STF) é uma delas, pois cuida da Constituição e alerta quando ela está sendo violada, bem como os direitos fundamentais. Por isso o que se aprova pelos outros poderes pode ser invalidado no STF. Neste sentido, todos importam. Para o Prefeito de São Paulo, esta é a beleza de viver em liberdade: “temos convicções e podemos também repensá-las”.
Interação
Os aplausos à aula do Prefeito Haddad foram seguidos de algumas palavras de beneficiárias/os do Programa Transcidadania. Uma delas veio de Aline, que testemunhou o que era sua vida antes do programa. Hoje ela estuda numa “excelente escola com o EJA” e se apoia no Centro de Combate à Homofobia da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, “um centro maravilhoso de pessoas maravilhosas”. Aline agradeceu ao Prefeito por tudo o que está fazendo pela cidade de São Paulo. Lamentou que os jornais sempre o “taxem negativamente”. Mas declarou: “Nós que somos usuários vemos o que está acontecendo. Vejo coisas maravilhosas: melhor acesso a locais com córregos, pessoas podem usar a bicicleta, ganhamos pelo Programa o bilhete único, o que já dá para comprar uma ‘mistura’ para comer”. Aline se disse chateada com a Prefeitura por haver pouca propaganda do que está sendo feito. Cobrou mais. E apelou aos presentes: “Vamos fazer isto dar certo, pois temos um governante que fez isto por nós”. E concluiu pedindo apoio para empregos e cobertura de saúde: “estudo é fundamental, mas se as empresas se abrirem para nos oferecer trabalho – qualquer empresa, qualquer emprego. Na área da saúde também precisamos de muito apoio e acompanhamento”.
Após os muitos aplausos à fala de Aline, o Secretário Municipal Eduardo Suplicy lembrou que a Prefeitura já procura atender ao apelo por emprego: há 15 transexuais trabalhando na Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania.
A presença de uma diretora de escola participante do Programa na aula inaugural do Curso de Direitos Humanos e Democracia foi ressaltada pelo Prefeito Fernando Haddad, que, quebrando o protocolo, a entrevistou diante dos presentes. Ela declarou a importância da experiência sendo vivida e da compreensão que os educadores devem ter do que este projeto representa. E se manifestou: “eu acredito!”. Registrou que atende às/aos beneficiários como atende os outros estudantes, procurando deixá-los/as à vontade e felizes com a escola. As/os participantes do Programa, segundo a diretora são identificados/as pelo carinho que transmitem e a ajuda que dão, por exemplo, cuidando dos/as alunos/as com deficiência.
Em conclusão, o Prefeito Fernando Haddad fez um apelo: “Este programa sofre tanto preconceito! Temos que ter responsabilidade com ele. Vamos ter um pacto para fazer o possível com êxito e ser exemplo para o Brasil de que é possível construir uma visão democrática plena”.
Momento de pesar
O clima de satisfação que envolveu a aula inaugural do Curso Direitos Humanos e Democracia do Programa Transcidadania foi também marcado por um momento de pesar. Na noite anterior, uma das beneficiárias do Programa foi assassinada, de forma brutal, nas imediações do Jockey Club, no Butantã, zona oeste da cidade de São Paulo, durante exercício de atividade de prostituição. A travesti La Monique de Roma, de 43 anos, foi baleada e morta em um caso de latrocínio, segundo apurou a Prefeitura.
“La Monique é mais uma vítima de um contexto de alta vulnerabilidade. Assim como ela, várias/os travestis e transexuais vivem da prostituição, uma das poucas alternativas que encontram para sua subsistência, já que o preconceito por suas identidades de gênero impacta seu cotidiano nas mais diversas dimensões, e, em especial, nas oportunidades de trabalho que lhes são ofertadas”, afirma a nota de pesar da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. “Ressaltamos a dedicação e empenho de La Monique às atividades do Programa Transcidadania, momento no qual retomou seus estudos após 15 anos longe da sala de aula. A luta pelo resgate de sua dignidade como cidadã travesti será sempre parte constituinte de sua trajetória”.
O secretário-adjunto Rogério Sottili, em texto publicado no Facebook, também lamentou a tragédia: “Da convivência com algumas beneficiárias, quando conheci a travesti La Monique de Roma, em conversa, disseram-me haver diminuído em muito a atividade de prostituição com o auxílio financeiro que o programa dá, que permitia que se dediquem mais aos estudos e formação. Meu profundo pesar por sua morte, com a certeza de que a valorização da cidadania LGBT que estamos promovendo na cidade não deixa que a morte de La Monique de Roma seja em vão. Trabalhamos sem descanso até que não tenhamos mais travestis e transexuais vítimas de um contexto de alta vulnerabilidade e preconceito social por sua identidade de gênero”.
Após a menção do caso, no evento, pela coordenadora do Transcidadania Symmy Larrat, o Secretário Municipal Eduardo Suplicy se afirmou: “Este Programa existe para que cidadãs como La Monique de Roma não sejam obrigadas a submeter a vida a formas tão vulneráveis de sobrevivência”.
Próximos passos
A aula inaugural marcou o início das atividades do Curso Direitos Humanos e Democracia que será oferecido às/aos 100 beneficiários/as do Programa. Segundo a coordenadora do curso pela organização KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço, Ester Lisboa, pretende-se transcender os objetivos didáticos no decorrer das 120 horas (26 aulas) de abordagens, reflexões e debates. Os temas tratarão de questões vitais para a mudança da realidade de violação dos Direitos Humanos e o desrespeito à diversidade com que nos deparamos cotidianamente nas salas de aulas, nas empresas e nos mais diversos ambientes de sociabilidade. As aulas serão preparadas e oferecidas por sete educadores/as, todos vinculados, em suas respectivas áreas, a ações em direitos humanos e democracia.
Ester Lisboa ressalta que o que nos faz ser “seres humanos” no “ser mundo” permeará todas as reflexões e conteúdos do curso, possibilitando uma conexão entre o saber e o viver. Desta forma, cada participante poderá delinear seu projeto de vida. “Não podemos esquecer que o mundo é simples e diverso em sua complexidade e o projeto Transcidadania provoca este desafio com ações comprometidas com a transformação social, especialmente no que tange ao compromisso com a produção do conhecimento voltado para os problemas do nosso país e com a sua aplicação, no sentido da construção de uma sociedade mais justa e igualitária, promotora dos Direitos Humanos”, destacou a coordenadora do curso.
Ester conclui: “O Curso de Direitos Humanos no Projeto Transcidadania em parceria com KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço será um novo campo em construção e mais do que isto, a possibilidade de transpor uma fronteira múltipla de determinações históricas, sociais, culturais, políticas e econômicas. Será um novo tempo, onde provocaremos mudanças sutis em nossas formas de sentir as relações interpessoais e atuar no mundo”.
• Confira as fotos da aula inaugural do Curso de Direitos Humanos e Democracia ministrada pelo prefeito Fernando Haddad.
• Confira as fotos da aula inaugural do Curso de Direitos Humanos e Democracia ministrada pelo prefeito Fernando Haddad.