Desigualdade de gênero também se enfrenta com valorização da mulher. Esta tem sido uma das convicções que mais se consolida desde que KOINONIA iniciou o trabalho de fortalecimento político de trabalhadoras rurais e quilombolas, em 2010.
Desde então, a partir da escuta dessas mulheres – a maioria quilombolas -, o enfrentamento da violência de gênero tem sido a prioridade número um. KOINONIA tem investido num processo continuado de formação de lideranças femininas locais visando a desconstrução de valores patriarcais, o compartilhamento de informações sobre direitos das mulheres, mas também a valorização do trabalho delas na produção local. Porque é comum neste contexto, que a importância da força de trabalho feminina não seja reconhecida, figurando apenas como auxiliar ao trabalho dos homens e por isso de menor importância – o que se deve, claro, ao fato de muitas vezes apenas os homens terem voz.
No lançamento do livro, sua organizadora, a assessora de KOINONIA Ana Gualberto, falou das conseqüências práticas das desigualdades de gênero no dia a dia da trabalhadora rural da região do Baixo Sul.
“O sexismo aqui tem consequências particularmente perversas para essas mulheres. Além da violência física – que é o mais gritante -, o papel das mulheres na construção da sociedade tem sido invisibilizado. Ou seja, essa violência contribui para a anulação das pessoas e isso tem um reflexo imediato na auto-estima delas e no reconhecimento de seu próprio potencial. Por isso esses processos de formação são inseparáveis de todas as formas que encontramos para valorizá-las, não só no aspecto estritamente produtivo, mas buscando afirmar que o feminino também pode ser lugar de poder a partir do qual se pode mudar tudo”, destaca.
No Baixo Sul da Bahia o principal agravante desse problema é a distância entre as comunidades e a rede pública de atendimento à mulher que sofre de violência. Existem localidades distantes até 150 Km do serviço mais próximo.
Apoiado pela Articulação de Mulheres do Baixo Sul, Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Camamu (STTR) e Serviço de Assessoria à Organizações Populares Rurais (SASOP), o evento de lançamento de “Caminhadas, Sonhos e Lutas” teve também um debate sobre as políticas públicas para as mulheres rurais. Durante a discussão, a representação do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) – um dos órgãos responsáveis pelo atendimento à mulher em situação de violência – reconheceu na questão do deslocamento das mulheres um problema central.
A representante do SASOP, Ana Celsa Souza, observou que a falta de qualificação dos serviços é outro grande problema. “Quando os instrumentos de atendimento à mulher existem, não são facilitados. Temos o centro de referência da Mulher em Valença, mas o prefeito reclama da sobrecarga da rede de atendimento local, porque os locais vizinhos não oferecem esse tipo de serviço. As delegacias também não têm treinamento adequado para esse tipo de situação”.
Além do SASOP e STTR Camamu, participaram também a Escola Agrícola Comunitária Margarida Alves, Coordenação do Território da Cidadania do Baixo Sul, Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Cplac), Conselho Quilombola do Baixo e Extremo Sul da Bahia e Grupo de Apoio à Prevenção a Aids (GAPA) Salvador. Todos os presentes ganharam exemplares autografados do livro pelas trabalhadoras rurais quilombolas.
“Me senti forte e motivada, porque o livro não deixa de ser uma criação nossa. Me senti viva e forte porque aquilo é uma arma na luta pelos nossos direitos e para atrair mais mulheres da região para a nossa causa. É um marco para nós”, comentou Marilene dos Santos Silva do STTR Camamu. Ela é uma das lideranças responsáveis por organizar as atividades da Articulação de Mulheres, que já fez oficinas, vigílias pelos direitos das mulheres e denúncias.