Quilombo Sacopã é reconhecido após décadas de luta

Nesta terça (23), o quilombo urbano Sacopã, na Lagoa, Zona Sul do Rio, comemorou com mais de 20 outras comunidades quilombolas, parceiros e representantes do Estado, seu reconhecimento provisório por parte do Governo Federal. Luiz Pinto, o Luiz Sacopã, líder do quilombo, recebeu o documento oficial de reconhecimento de domínio de representantes do INCRA, em uma celebração com cerca de 200 pessoas, com direito a feijoada, na própria comunidade.

Luiz Sacopã mostra o documento de reconhecimento de domínio entregue pelo Incra
Luiz Sacopã mostra o documento de reconhecimento de domínio entregue pelo Incra
A comemoração foi dupla, já que o quilombo Cruzeirinho, em Natividade (RJ), também festejava a emissão de seu Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Território (RTID), documento elaborado pela Superintendência Regional do Incra com a participação dos quilombolas, formado por vários estudos: o relatório antropológico, o levantamento fundiário, o mapa e o cadastro das famílias.

Este avanço no processo do Sacopã — que já dura décadas — foi visto tanto por quilombolas quanto por representantes de instituições governamentais responsáveis por regular territórios de comunidades tradicionais, como um precedente importante do ponto de vista das conquistas de direitos dessas populações. O destaque para o caso Sacopã deve-se não só ao longo trâmite judicial, mas ao fato de a comunidade estar localizada em uma das áreas mais valorizadas da cidade do Rio de Janeiro, como observa seu líder:
Quilombo, que fica numa das áreas mais valorizadas do Rio,  teve de enfrentar a especulação imobiliária
Quilombo, que fica numa das áreas mais valorizadas do Rio, teve de enfrentar a especulação imobiliária
“O estigma da segregação racial continua impregnado em parcelas da sociedade brasileira. Mas hoje, aqui, estamos provando que mesmo contra a força da especulação imobiliária, contra o poder econômico e o pesado tráfico de influência, nós ainda podemos ganhar. Isso significa muito pro povo quilombola e afro-descendente. É uma abertura e uma esperança”, desabafa, Luiz Sacopã, na entrega do documento de reconhecimento.

Neia Daniel, da Fundação Cultural Palmares (FCP), fez referência a memória de Tia Neném, liderança local no processo de usucapião da comunidade, falecida em 2006. “Guerreira, fez tudo e deu a vida para defender esse espaço. A começar por ela, temos a dimensão do tamanho da luta do quilombo”, comentou.

As lideranças festejaram a vitória, mas também alertaram sobre uma ameaça às conquistas recentes e antigas do Movimento Quilombola: uma ação de inconstitucionalidade movida pelo Democratas (DEM) contra o decreto 4887/03. A legislação, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes quilombolas, tem sido um instrumento fundamental das comunidades para o reconhecimento de seus territórios. Entre outras medidas, o decreto estabelece a auto-declaração como base para que uma comunidade acesse direitos quilombolas. Caso a lei seja julgada inconstitucional, isto trará um dos piores retrocessos no campo dos direitos das populações tradicionais.

“Estamos na luta há muitos anos pelo reconhecimento e titulação das áreas ocupadas por nós. Se o decreto 4887 for julgado inconstitucional, todos os processos que estão em andamento voltam à estaca zero”, lembrou Ivone Mattos, representante da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj).

Apresentação dos Filhos de Gandhi na celebração da conquista
Apresentação dos Filhos de Gandhi na celebração da conquista

Neste clima de vitória, mas com muita luta ainda por vir, a festa no Sacopã, além da feijoada, teve ainda apresentações culturais dos Filhos de Gandhi, Jongo e roda de samba. Nos próximos dias, a comunidade deve ter sua área delimitada por meio de portaria de reconhecimento a ser publicada pelo Incra. 

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