Ainda nessa semana será votado no congresso federal o Projeto de Lei 2.159/2021, caso seja aprovado, alterará significativamente, o licenciamento ambiental no Brasil. A normativa garantirá que empreendimentos obtenham licenças de forma automática, apenas com base na autodeclaração do empreendedor, sem necessidade de análises técnicas prévias. A primeira vista podemos analisar esse processo de aprovação apenas no âmbito da cena política e nos apegarmos na questão quem votará contra ou a favor e qual será a resposta do Presidente Luís Inácio Lula da Silva. No entanto, esse projeto faz parte de uma movimentação política muito mais profunda e nos permite desenvolver um debate relacionado ao projeto de desenvolvimento que queremos para o nosso país.
O Projeto de Lei 2.159/2021, que flexibiliza o licenciamento ambiental no Brasil, deve ser compreendido como parte de uma estratégia do capital para aprofundar o controle sobre os bens comuns da natureza e eliminar barreiras jurídicas à sua exploração. Essa medida, aparentemente técnica, carrega implicações estruturais: ela representa a conversão da crise ecológica em oportunidade de negócios para setores hegemônicos do agronegócio, da mineração e energia. Trata-se de mais um capítulo da reconfiguração das normativas jurídicas do Estado em favor das frações dominantes da classe burguesa. Quando o capitalismo entra em crise uma de suas respostas é flexibilizar direitos e regulamentos, tanto ambientais quanto trabalhistas, com o objetivo de restaurar as taxas de lucro. Isso se dá por meio de reformas institucionais, como a que está sendo promovida pelo PL da Devastação.
Assim, a flexibilização do licenciamento ambiental:
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Representa uma captura do Estado por interesses de classe ligados ao grande capital (agronegócio, empreiteiras, mineradoras);
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Insere-se na lógica do “interesse nacional” quando na verdade os direitos coletivos — especialmente de povos tradicionais, quilombolas e indígenas — são tratados como entraves ao desenvolvimento do país;
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Conecta-se a uma tendência global do capitalismo neoliberal de mercantilizar todos os aspectos da vida, inclusive os territórios e ecossistemas historicamente protegidos por saberes tradicionais.
Além disso, a supressão de instrumentos de controle democrático e técnico — como a consulta prévia, o papel do Ministério Público e os pareceres ambientais — revela que o Estado não apenas responde ao capital, mas também antecipa e organiza seus interesses. Não se trata de um desvio ou falha do sistema, mas de sua forma “normal” de operar em tempos de retração econômica e disputa global por recursos. A destruição ambiental, nesse sentido, não é um efeito colateral, mas uma engrenagem essencial da reprodução capitalista em sua fase de crise.
A burguesia agrária-energética-mineral é quem mais se beneficiará com a PL da devastação. Se por um lado prejudica a reprodução da vida da maioria da população, por outro fortalece a desindustrialização do Brasil, tal característica tem é parte da própria maneira como essa fração da classe burguesa se constituiu:
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Tem raízes profundas na formação colonial-escravista, sendo herdeiro direto da burguesia agrária escravocrata;
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Foi incorporado ao capitalismo dependente através da modernização conservadora, com intensa subordinação ao capital transnacional;
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Hoje, combina alta tecnologia e dependência externa, atuando como exportador de commodities e vetor de financeirização da terra.
Essa caracterização nos permite entender porque essa fração da burguesia assume papel central na reprodução do capitalismo brasileiro, especialmente na balança comercial, e por isso ganha centralidade no bloco no poder, em detrimento de outras frações (como parte da burguesia interna industrial).
Completando o quadro político, com a aprovação da PL, teremos um aprofundamento da desterritorialização dos povos das águas e das florestas, afinal aprofundará a redução dos direitos e políticas públicas, acelerará a expansão das fronteiras do capital (via devastação ambiental e grilagem legalizada) e, por fim, dará margem para reforçar os aparelhos repressivos inviabilizando as resistências populares.
Por Magno Luiz da Costa Oliveira