Sessão convocada pelo MPBA visa apurar violação ao sentimento religioso de afro-religiosos e ao patrimônio cultural imaterial de Salvador
Texto de Lucas Marllon, revisado por Camila Chagas, assessora jurídica em KOINONIANo dia 27 de janeiro, KOINONIA participou de uma audiência pública realizada pelo Ministério Público do Estado da Bahia com o objetivo de realizar uma escuta da sociedade civil para instruir o inquérito civil que visa apurar eventual responsabilidade de violação a honra das comunidades religiosas de matriz africana. A questão girou em torno da substituição do termo “Iemanjá” por “Ieshua” na música “Caranguejo”.
Os promotores de Justiça Lívia Santana Vaz, Alan Cedraz e Rogério Queiroz convidaram o professor Samuel Vida para contextualizar o tema. O mesmo abordou como a questão do racismo é complexa no Brasil e se materializa em formas distintas e por meios diversos. Que o Estado precisa cumprir a lesgilação aplicável aos crimes de racismo. O professor relatou casos que ficaram impunes, inclusive em razão da influencia de critérios subjetivos do julgador, o que caracterizou como prevaricação, isto é, quando um servidor público pratica atos inadequados em desconformidade com a lei.
Estiveram presentes os seguintes representantes do poder público: Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais do Estado da Bahia – SEPROMI; Secretaria Municipal da Reparação – SEMUR; Secretaria Municipal da Cultura de Salvador- SECULT; Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN; Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural do Estado da Bahia – IPAC; Fundação Gregório de Matos-FGM; Delegacia de Combate ao Racismo e à intolerância Religiosa -DECRIN; Ronda Omnira e Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB/BA.
Da sociedade civil: Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras – IDAFRO; Instituto Brasileiro de Direito e Religião; Conselho Inter-religioso da Bahia; Conselho Ecumênico Baiano de Igrejas Cristãs – CEBIC; Associação Brasileira de Preservação da Cultura Afro-ameríndia – AFA e KOINONIA Presença Ecumênica e Serviço.
A maioria das manifestações da plenária foram de protesto a mudança da letra da música Caranguejo. Dr. Hedio Silva Jr. apontou que este fato fere o sentimento religioso dos adeptos do Candomblé e Umbanda, o que também foi reforçado pela Iyalorixá Jaciara Ribeiro. Esta, em tom de desabafo e indignação, falou como a mudança na letra da música também se configura como intolerância religiosa contra as religiões de matriz africana.
KOINONIA, por sua vez, reforçou os argumentos apresentados pelas representações das religiões de matriz africana, reiterando que a mudança na letra da música fere o sentimento religioso. Salientou que a substituição do termo “Iemanjá” por “Ieshua” não se trata de uma mera licença poética ou o direito à liberdade religiosa da intérprete da canção. Ao ler para a plenária a estrofe em que ocorre a alteração de um termo pelo outro, demonstrou, para além da intolerância religiosa, também se tratava de uma violação ao patrimônio imaterial, uma vez que essa passagem da música fala de uma prática ancestral em ofertar flores para a Orixá Iemanjá e que, portanto, substituir um termo por outro invisibiliza a tradição, a cultura, a religião e todo um legado do povo negro. A alteração da canção também evidencia uma violação ao patrimônio imaterial e que a Festa de Iemanjá foi tombada como patrimônio cultural da cidade de Salvador pela Fundação Gregório de Matos. Pediu, ao Ministério Público, enquanto fiscal da lei, que adotasse as medidas cabíveis.
Apenas duas organizações presentes na audiência se posicionaram de modo contrário, invocando do direito à liberdade religiosa da intérprete: o Instituto Brasileiro de Direito e Religião e a Associação Nacional de Juristas Evangélicos – ANAJURE.
KOINONIA reafirma seu compromisso em defesa da liberdade religiosa e combate à toda forma de discriminação e racismo. Além do Direito à Liberdade Religiosa, a Constituição Federal, em seus artigos 215 e 216, GARANTE a todos o pleno exercício dos direitos culturais, devendo o Estado proteger os bens culturais, como é o caso da tradição de jogar flores no mar para saudar Iemanjá, cuja festa foi patrimonializada pelo município de Salvador.