Ana Gualberto
Iyá Oju Omo Ilê Adufé
Coordenadora de ações com comunidades tradicionais de KOINONIA
Editora do Observatório Quilombola
Não está fácil. Nunca esteve fácil. Creio que nunca será fácil, para nós, povo preto. Mas estão colocando à prova nossa apatia. Digo apatia, porque uma hora isso vai estourar.
Acordo hoje com a indignação da chacina realizada pela polícia do Estado do Rio de Janeiro, estado da federação que mais mata pessoas. Acho que não preciso dizer a cor destas pessoas.
Em 2020 o STF[1] determina que não se realizem “operações” nas comunidades durante a pandemia. Esta simples ação, não impediu que as ditas operações aconteçam, mas fez com os números de mortes diminuíssem bastante no RJ[2].
Há alguns dias tivemos aqui em Salvador a execução de 2 homens negros, entregues ao tráfico por seguranças do supermercado Atakarejo, do bairro de Amaralina[3], para fazerem “justiça”, pois os dois estavam roubando carne de sertão.
É isso mesmo, você não leu errado: Eles estavam roubando carne de sertão para comer! Apareceram também denúncias de jovens que foram espancadas depois de serem pegas roubando no mesmo supermercado, o que nos leva a pensar em prática cotidiana de tortura e execução.
Há mais de três meses, famílias procuram três meninos[4] que desapareceram em Belford Roxo/RJ. A polícia não tem pistas, não há respostas, só dor e dúvida.
Junto a estes fatos a política genocida do governo federal, que pretende, e está tendo bastante sucesso, diminuir a população brasileira, por consequência os serviços prestados à população, que são vistos como gastos inúteis.
A demora na vacinação, a confusão nas informações, a retomada da economia sem imunização em massa, são todas estratégias conjuntas de matar as pessoas. Estas pessoas têm rosto, história, família…
A covid 19 e o governo Bozo levaram o Marcelo Deodoro e o Paulo Gustavo antes da hora. Reafirmo que quem elegeu este governo também tem sangue em suas mãos.
Olhando para todos estes fatos a indignação me toma e, mais uma vez, me pergunto: Até quando ficaremos apáticos a isso tudo?
Temos em nossa sociedade uma polícia instituída para “proteger a população”, ou seja, proteger as pessoas. Reafirmo que todas essas pessoas acima citadas por mim, no Jacarezinho, no Atakarejo e na Baixada Fluminense, não são pessoas. Se fossem seriam protegidos, teriam possibilidade de ser julgadas pela justiça e, se condenadas, pagariam por seus atos.
No RJ as 24 pessoas que foram assassinadas não têm nomes, “são bandidos”, segundo o delegado que coordenou as ações. Eles já foram julgados e condenados, e a pena foi a pena de morte. Pena esta que não existe no nosso código penal. É assim que a polícia age com a população negra, todos os dias.
O Estado Brasileiro permite execuções diárias, várias ao mesmo tempo, no mesmo dia. E nada é feito para mudar isso. Até quando?
As frentes de morte são muitas, mas como reafirmo todos os dias, as nossas lutas não têm volta. A gente não volta para a senzala, não nos calaremos, mas precisamos rever nossas estratégias porque não adianta somente sensibilizar sobre. Precisamos de mudanças reais. Precisamos parar o extermínio diário. Precisamos nos afetar por essas pessoas. E reagir.
Só lembrando que domingo, dia 9 de maio, é Dia das Mães, (essas datas comerciais que eu odeio) mas todas essas mães choraram hoje, chorarão domingo e chorarão todos os dias a perda de seus filhos. Todos os dias!
Hoje é sexta-feira, dia dedicado à Oxalá e Oxaguian em minha religião. Eles vestem branco, representam a paz (como o senso comum resume, mas tem muito mais…), mas como o RAPPA nos ensinou: “Paz sem voz, não é paz, é medo!”. E nós, de religião de matriz africana, sabemos que quando necessário Oxalá vai à guerra.
Que nossos ancestrais e divindades nos inspirem na criação de estratégias, nas lutas diárias pela vida e na consolidação da justiça para todas as pessoas! Asé!
Foto: Reginaldo Pimenta
[1] https://www.conjur.com.br/2020-ago-05/mantida-proibicao-operacoes-policiais-favelas-rj-durante-epidemia
[2] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/03/22/mortes-violentas-no-estado-tem-a-maior-queda-em-30-anos-aponta-isp.ghtml
[3] https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/05/01/apos-assassinato-de-homens-por-roubo-de-carne-em-supermercado-na-ba-jovem-relata-tortura-depois-de-furto-no-mesmo-local.ghtml
[4] https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/02/27/desaparecimento-de-meninos-em-belford-roxo-completa-2-meses-sem-pistas-sobre-paradeiro.ghtml