RJ – Encerrando o mês da Consciência Negra, uma festa de produtos e culinária quilombola ocupa os Arcos da Lapa 

Feira Aquilombar reuniu comunidades quilombolas de todo o estado e integrou atividades do projeto Comércio com Identidade 

Por Rosa Peralta, coordenadora pedagógica do projeto e Assessora para Relações Institucionais de KOINONIA 

Nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro, bem diante dos Arcos da Lapa, no centro do Rio de Janeiro, ocorreu a Feira Aquilombar. O evento é fruto de uma parceria inédita entre a Associação de Comunidades Quilombolas do Rio de Janeiro (Acquilerj), o Sebrae e KOINONIA, por meio do projeto Comércio com Identidade, patrocinado pelo Grupo Carrefour. 

Sob uma tenda montada em um dos principais cartões-postais cariocas, 20 comunidades quilombolas do estado do Rio de Janeiro expuseram seus produtos e ofereceram mostras de sua culinária tradicional. As pessoas que passaram pelo espaço puderam comprar licores, geleias, doces, pimentas, farinha, feijão, entre outros produtos. Também havia barracas com bonecas, artesanatos de argila, fibra cipó, bolsas, roupas e acessórios. Além disso, 10 barracas serviam pratos para todos os gostos, como moqueca à moda quilombola, moqueca de banana verde, cantão de banana verde, fubá suado e acarajé.  

Quilombolas de diversas comunidades reunidos no painel de entrada da Feira Aquilombar, celebrando cultura, união e resistência

Mais do que produtos e pratos para degustar, a Feira Aquilombar representou um momento de posicionamento político do movimento quilombola do estado. 

Nós assumimos o desafio de colocar apenas quilombolas em todos os espaços de exposição e de alimentação da feira, mostrando ao público carioca que existimos, que somos diversos, que estamos em todos os cantos do estado e que produzimos sim! Com isso, nossa pauta de direitos também se torna mais visível”, comemorou Bia Nunes, presidenta da Acquilerj.  

Bia Nunes, presidenta da Acquilerj, com Maju Coutinho na cerimônia de abertura da 2° Edição da Feira Aquilombar- RJ

O evento contou ainda com desfile, apresentações culturais de jongo e samba e rodas de conversa. A apresentadora Maria Julia Coutinho, a Maju, incentivadora da causa quilombola, esteve presente na feira e ressaltou a importância de parcerias como essa: “Sabemos que as comunidades quilombolas têm aprendido muito sobre empreendedorismo por meio dessa parceria, mas acredito que o Sebrae também tem aprendido com as comunidades. São tantas histórias de que não ouvimos falar, mas estão em todos os cantos do Rio de Janeiro” 

Cada barraca, uma história 

A Feira Aquilombar reuniu comunidades de 10 municípios situados nas diferentes regiões do estado: Norte Fluminense, Região dos Lagos, Costa Verde e capital. As pessoas que visitaram o local puderam provar alimentos recheados de memórias dolorosas, mas também de superação. 

O casal Jaqueline Barbosa e Ezequiel Carvalho, da comunidade de Batatal, em Campos dos Goytacazes, levaram para a feira um banner contando a origem do cantão de banana. 

Jaqueline e Ezequiel, da comunidade de Batatal, em Campos: orgulho de sua história traduzido em um prato

“Esse prato não nos deixa esquecer de que nosso povo passou momentos de fome e que tivemos que criar alimento com o pouco que tínhamos. Já plantávamos nas encostas e assim nasceu o cantão de banana. Agora, acrescentamos linguiça e carne seca ao cantão. Hoje esse prato nos dá orgulho pela nossa superação”, conta Jaqueline. 

Já a barraca da comunidade de Alto da Serra do Mar, situada no município de Rio Claro, levou uma variedade de produtos beneficiados de banana, mas também brilhou com a exposição de fotos e mudas do café nativo da região na qual estão investindo para comercializar no futuro. Para demonstrar o processo de fabricação do café, a comunidade trouxe até um pilão que foi alvo de atenção de muitas pessoas visitantes.  

Delbora e Benedito, de Alto da Serra, em Rio Claro, exibem diversidade de produtos

“Além da nossa produção que costumamos vender nas feiras, passamos a trazer a exposição de fotos das pessoas mais velhas da comunidade, Seu Benedito e Dona Terezinha, e do projeto para ampliar e melhorar nosso plantio de café”, explicou Valéria Cristina Leite, jovem de Alto da Serra.  

Comercializando com identidade 

Embora busquem atividades de geração de renda, ao comercializarem produtos, organizarem eventos e roteiros de turismo de base comunitária, as comunidades quilombolas buscam fortalecer suas lutas pelo território e pelo direito a acessar as demais políticas públicas.    

O projeto Comércio com Identidade busca incentivar os empreendimentos locais, utilizando para isso uma abordagem que não segue necessariamente a lógica comercial predominante. Seguindo o histórico de atuação de KOINONIA junto às comunidades quilombolas, realizamos atividades em que as próprias quilombolas participantes expressam o que é comercializar com identidade. 

Regina e Milena, representantes da comunidade Fazenda Espírito Santo, em Cabo Frio, compartilham a riqueza e a diversidade cultural do quilombo em suas expressões e produtos

Entre as respostas que obtemos, as e os quilombolas falam da importância de afirmar sua identidade, de buscar valorizar os mercados próximos e a variedade de produtos locais e regionais. Outro aspecto apontado tem sido a preocupação de produzir com respeito ao meio ambiente. Essas falas demonstram que a geração de renda não deve vir a qualquer preço. Em primeiro lugar, os direitos há tempos negados.  

“Muito bom ver que agora nossos produtos são mais valorizados, mas não adianta a gente querer colocar um preço lá no alto. É importante que a gente coloque preço para que nossa própria gente possa consumir nossa produção, sem deixar ninguém para trás. Esse é o nosso jeito”, declarou Danilo Barbosa, da comunidade de Boa Esperança, localizada em Areal, região serrana do estado.   

Iniciado em março deste ano, o projeto vem dialogando com as comunidades e constatando que a autoafirmação da identidade quilombola é essencial. Historicamente, essas comunidades foram invisibilizadas, o que contribuiu para a violação de seus direitos. 

Durante as atividades do projeto, que incluem rodas de conversa sobre comércio justo, políticas públicas e práticas econômicas sustentáveis, as e os quilombolas ressaltam que gostam de estabelecer outras formas de relação entre quem produz e quem consome. As feiras, por exemplo, são espaços importantes em que as comunidades, principalmente as mulheres quilombolas, têm a oportunidade de vender seus produtos, mas também de contar e valorizar suas histórias de luta pelo território e por direitos. 

Jane e Joel, da comunidade quilombola São Jacinto, demonstram a criatividade e o talento presentes no artesanato quilombola, transformando matérias-primas de seus territórios em peças únicas e significativas.

“Eu sou artesã desde os 11 anos de idade, ou seja, há 20 anos. A Feira Aquilombar foi a primeira oportunidade que eu tive de expor meus produtos e foi uma experiência linda. Era tanta gente chegando, elogiando meus produtos, que eu até ficava desconfiada. Será que estão gostando mesmo? Mesmo que a pessoa não comprasse, ficava curiosa para saber onde fica minha comunidade. Fui perdendo a timidez e falando sobre a nossa história, sobre como aprendi a fazer artesanato com meu avô, com meu pai. Muito gratificante”, contou com orgulho Jane Marins de Souza, da comunidade São Jacinto Campos Novos, em Cabo Frio. 

Como expressou Regina Soares, Presidenta da Associação Quilombola de Fazenda Espírito Santo: “Para nós, o fato de vocês trazerem esse projeto, o fato de virem escolas e outros grupos na comunidade para nos conhecer, é um grande avanço. A gente pode falar de nossa comunidade e da história de nossos antepassados”. 

Festa quilombola encerra Mês da Consciência Negra no Rio de Janeiro 

Foram dois dias de Feira Aquilombar nos Arcos da Lapa. O evento encerrou com uma roda de samba de mulheres da comunidade de Grotão, Niterói. Quilombolas saíram de suas barracas para dançar e cantar, comemorando o sucesso do evento, que contou com cerca de 3 mil visitantes.  

“Essa feira é a concretização de um sonho que a Acquilerj já vinha construindo, de realizar um circuito gastronômico só com quilombolas, vindos de todos os lugares do Rio de Janeiro. Conseguimos parcerias e, hoje, apesar do cansaço, está todo mundo feliz! Valeu a pena!”, destacou Elizabeth Fernandes, do quilombo Baía Formosa, em Búzios, e membra da diretoria da Acquilerj.  

“A gente mostrou que nossos territórios são potentes. Precisamos de eventos assim para estarmos mais visíveis para que a sociedade entenda e se alie à nossas lutas por direitos! Foi uma festa!”, concluiu Bia Nunes, presidenta da Acquilerj.  

Apresentação do Jongo da Ilha da Marambaia, em Mangaratiba, agitando a feira
Roda de samba do quilombo de Grotão encerrando a feira