Discriminação e despeito ao direito de sigilo traz impacto socioemocionais a pessoas que convivem com HIV
Texto escrito por Lucas Marllon e revisado por Ester Lisboa, Coordenadora de Ações de Promoção de Justiça de GêneroRecentemente, um vídeo de um cabeleireiro exposto e demitido de seu emprego por não revelar a sua chefia que possuía o vírus HIV viralizou nas redes sociais. O fato evidencia uma discriminação denominada sorofobia.
Sorofobia é o termo designado a ação de discriminação e preconceito contra pessoas que vivem com HIV. Dentre as condutas, por exemplo, estão a segregação, demissão/ negação de emprego e a divulgação da condição de saúde destas pessoas. A Lei 12.984/2014 configura o ato como crime e prevê multa e prisão de um a quatro anos contra pessoas que praticarem essas ações.
Dentre os direitos que resguardam informações de saúde, a Lei 14.289/ 2022 torna obrigatória a preservação do sigilo sobre a condição de pessoas com HIV, hepatites crônicas, hanseníase e tuberculose.
Além do mais, a esfera privada de todos os pacientes, independente da doença que possuam, são protegidas pelo Art.5º da Constituição Federal e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) prezando pelos direitos fundamentais à privacidade, intimidade e dignidade da pessoa humana.
Devido aos incansáveis estudos e desenvolvimentos científicos, o tratamento e acompanhamento correto torna a qualidade de vida de pessoas com HIV em níveis satisfatórios. Inclusive, o nível de transmissão pode ser zerado caso a carga viral presente nos sangue seja indetectável. No entanto, o estigma carregado de desinformação ainda gera muito preconceito. Como consequência, pessoas vivendo com HIV precisam lidar também com efeitos socioemocionais que vão além da sua condição de saúde.
Em 2019, o programa das Nações Unidas UNAIDS Brasil publicou pela primeira vez no país o estudo Índice de Estigma em relação às pessoas vivendo com HIV/AIDS – Brasil. O levantamento realizado com 1.784 pessoas apontou que 64,1% das pessoas entrevistadas já́ sofreram alguma discriminação. Além disso, comentários discriminatórios ou especulativos já afetaram 46,3% dessa população, sendo 41% do grupo dizendo ter sido alvo de comentários feitos por membros da própria família. Dentre as consequências analisadas, estão problemas sociais, econômicos e emocionais: desemprego, exclusão social e até mesmo agressão física.
Ester Lisboa, Coordenadora de ações de promoção de justiça de gênero em KOINONIA, realiza trabalho voluntário com pacientes com HIV desde 1988. Nessa trajetória, ela aponta que esse preconceito existe desde sempre, bem antes do termo ser conhecido como “sorofobia”. Ela também percebe que essa rejeição esbarra em quem presta assistência também, independente da condição de saúde em que se encontra:
“O peso do medo, do receio e por vezes do desprezo às pessoas que vivem com HIV eu conheço bem. Costumo dizer que a ciencia evoluiu, deu conta de descobrir diferentes formas e medicações de prevenção; reduziu de 22 comprimidos(em média) para 2 comprimidos o tratamento; mas a frieza do coração do homem, o preconceito e discriminação ainda não conseguimos acabar. A sorofobia é algo presente, independente de ser soropositivo ou não. Se você cuida dessas pessoas, você também será discriminada. A Aids é uma doença moral, provoca uma morte social súbita. O programa Saúde e Direitos que KOINONIA desenvolveu por vários anos tinha o objetivo de informar as formas de infecção e mostrar o quanto somos responsáveis pelo outro.”