Há exatos 15 anos, morria Gildásia Santos, a Mãe Gilda. O infarto sofrido pela líder religiosa baiana foi a ultima conseqüência do processo de fragilização de seu estado de saúde desencadeado por uma matéria jornalística veiculada no fim do ano de 1999, intitulada “Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes” e estampada por uma foto de Mãe Gilda. O periódico onde a matéria foi publicada, a Folha Universal – de propriedade da igreja homônima -, cuja tiragem à época era de mais de 1 milhão de exemplares, provocou uma onda de ódio contra o terreiro da mãe de santo.
Os movimentos sociais de luta pela promoção da liberdade religiosa – que incluem os terreiros – não apenas lutaram para que a família de Mãe Gilda fosse indenizada (num processo judicial em que KOINONIA representou os parentes da mãe de santo), como também conseguiram que o então presidente Lula assinasse, em 2007, um decreto de lei que reconheceu o 21 de janeiro como Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.
Mobilizações como estas fizeram com que a visibilidade da questão da intolerância aumentasse. No dia 21, na Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio, mais um capítulo dessa história de lutas foi escrito, com um ato público que reuniu cerca de 300 pessoas para reivindicar o compromisso do Estado Brasileiro com medidas de combate à intolerância.
Outra das razões fortes para o crescimento da visibilidade do tema da intolerância é menos animadora: a quantidade de casos de discriminação e violência baseados na fé. Sobre isto, ativistas são unânimes em afirmar que a questão tem recebido atenção insuficiente por parte do poder público.
Rafael Soares de Oliveira, diretor executivo de KOINONIA, lembra que a falta de políticas públicas tem prejudicado, sobretudo as vítimas, pois muitas vezes a questão é deixada nas mãos de autoridades mal preparadas: “Os órgãos públicos têm tratado o tema como briga de vizinho e até competição religiosa – o que acarreta inclusive o sub-registro de casos. Ainda não contamos com políticas de Estado. Há governos que aderem e colocam o combate à intolerância na pauta. Há outros que não. Ou seja, sem políticas de Estado a questão fica dependendo da sensibilidade de cada governante e não pode ser assim. Não estamos falando de nada abstrato e sim de pessoas que são agredidas e até mortas”, defende.
O Rio de Janeiro tem um número de casos acima da média nacional. No ano passado o disque 100 teve 149 denúncias de discriminação religiosa. Somente o estado é responsável por 26% dessas denúncias. De acordo com o Centro de Promoção da Liberdade Religiosa & Direitos Humanos (CEPLIR), de todos os casos de intolerância no país, 63% são contra as religiões de matrizes africanas. No Rio, o percentual aumenta para 93%.
“Os dados são melhor coletados e divulgados no Rio, porque aqui já há todo um trabalho no sentido de qualificar esse tipo de informação. Por outro lado, embora seja o estado que mais avançou tendo um plano de promoção da liberdade religiosa, fruto de consultas públicas, o avanço efetivo não se concretizou porque o plano não foi sancionado pelo governador. O porquê da não efetivação do plano é uma questão que precisa ser respondida pelo governo do Rio”, observa Graças Nascimento, coordenadora do Movimento Inter-Religioso (MIR). Ela também destacou o processo de nacionalização do debate sobre intolerância: “Começo a ver um brado nacional: Ceará, Rio Grande do Sul, Bahia. O ideal é que essa questão seja mesmo prioridade nacional”.
Para o interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), o Babalawô Ivanir dos Santos, a dificuldade de incluir o tema com mais força na agenda das instituições oficiais já é um dado revelador. “Está em nossas mãos fazer essa pauta crescer. O fato de estarmos diante de um tema tão sério que não recebe a atenção que merece já é um dado da intolerância, da existência de forças políticas que querem manter as coisas do jeito que estão. Afinal, as políticas de promoção da liberdade religiosa não são contra ninguém e sim a favor da democracia e da sociedade”, diz.