Marcelo Schneider/CMI e Manoela Vianna/KOINONIA
Foto: Membros de cooperativa de camponeses da região de San Onofre, Colômbia, passam por soldados do exército que patrulham suas terras. Crédito: Marcelo Schneider/CMI
O Comitê Executivo do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) manifestou profunda preocupação com o aumento alarmante de ameaças à segurança humanitária na América Latina. O comitê pediu esforços renovados por parte das igrejas e do movimento ecumênico na luta por sociedades pacíficas e justas.
O comunicado divulgado pelo Comitê Executivo do CMI, que se reuniu entre 5 e 8 de março, em Bossey, Suíça, identifica a violência, os assassinatos extra-judiciais, o tráfico de drogas, o tráfico de seres humanos, o "feminicídio" e a exclusão de mulheres, jovens, povos indígenas e migrantes como questões de interesse primordial para as igrejas.
A declaração condena os ataques a povos indígenas e comunidades tradicionais, uma das questões humanitárias mais graves no Brasil hoje em dia. O CMI demanda que "empreendimentos econômicos e projetos de corporações transnacionais em terras ancestrais sejam implementados em consulta com os povos dessas terras, como estipulado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas ".
O Comitê Executivo do CMI também insta Estados latino-americanos a proteger os defensores dos direitos humanos, afirmando que "as tarefas dos defensores de direitos humanos no monitoramento, denúncia e proposição de políticas públicas deve estar livre de pressões e ameaças. A criminalização do protesto social é inaceitável."
A declaração também condena as políticas dos Estados Unidos em relação a Cuba, incluindo as sanções econômicas, que, segundo o texto, "constituem uma ameaça à paz e a manifestação de uma política de interferência no direito dos povos à auto-determinação".
A declaração manifesta seu apreço às negociações de paz entre o governo colombiano e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O documento é fruto das preocupações expressas pelos participantes de uma consulta regional ecumênica sobre "paz e segurança humana na América Latina", organizada pela Comissão das Igrejas em Assuntos Internacionais (CCIA), do CMI, em Antigua, Guatemala, em 2012.
Declaração toca diretamente problemas brasileiros
Além de falar do comércio de armas e suas consequências diretas nos altos índices de violência, ao chamar atenção para a soberania dos territórios ancestrais, a declaração do CMI colabora para trazer à luz uma realidade grave da luta por direitos humanos no Brasil. A Constituição Federal Brasileira de 1988, por meio do Artigo 68, reconheceu como propriedade definitiva das comunidades remanescentes de quilombos (quilombolas) as terras que ocupam. Esse direito foi regulamentado com o Decreto nº 4.887 de 2003, fundamentado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
A Fundação Cultural Palmares certificou 1749 comunidades como quilombolas, das quais 1229 têm processos de regularização, mas apenas 139 têm o título das terras concedido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Isso quer dizer que pouco mais de 7% das comunidades tem a garantia de permanência em seu território. O cenário é negativo em relação à garantia do direito a terras ancestrais, entre outros.
Ao contrário de assegurar os direitos fundiários e os básicos, como acesso à luz, água e educação, o Estado muitas vezes é o sujeito violador. Casos como a base de lançamento de foguetes de Alcântara (Maranhão), o Centro de Adestramento da Marinha na Ilha da Marambaia (Rio de Janeiro) e a luta de Rio dos Macacos (Bahia) em disputa com a Marinha são emblemáticos em se tratando de violação de direitos de comunidades remanescentes de quilombos.
Agrava-se a situação pelo processo movido de Ação de Inconstitucionalidade contra o Decreto nº 4.887/2003, pelo Partido DEM e por projetos energéticos de grande impacto como, por exemplo, Belo Monte, onde mobilizações sociais de populações tradicionais são criminalizadas.
A declaração do CMI vem tendo abragência continental e, em curto prazo, já serve de subsídio para mobilizações ecumênicas envolvidas na nova rodada de negociações em torno do Tratado de Comércio de Armas, que teve início no último dia 18, em Nova York, Estados Unidos.
Clique aqui e leia a declaração do CMI na íntegra