“Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça…”
(Mt 6, 33)
(Mt 6, 33)
É lugar comum, para a maioria das pessoas, que Teologia é assunto restrito ao mundo eclesiástico e que, neste, é tratada de forma hermética por certos indivíduos especializados conhecidos como teólogos. Em círculos mais intelectualizados persiste ainda, infelizmente, esta mesma concepção, muito embora se lhe reconheça uma dimensão acadêmica que a remete para o âmbito da reflexão vizinho da filosofia. Esta visão simplista e limitadora do papel e do significado da Teologia, continua vigente apesar de sua notória incidência no espaço público de muitas sociedades mundo afora e, de modo particular na América Latina e no Brasil., principalmente a partir da segunda metade do século passado.
Com efeito, a partir de meados da década de sessenta, após o Concílio Vaticano II, com sua “opção preferencial pelos pobres e pelos jovens” e do crescente envolvimento das igrejas-membro do Conselho Mundial de Igrejas com as questões de ordem política, econômica e social que marcaram a vida do mundo na segunda metade do século passado, a reflexão teológica ganhou novas dimensões que extrapolaram os muros das igrejas e das academias alcançando as páginas dos jornais e os noticiários das televisões. O surgimento da “teologia negra” nos Estados Unidos, da “teologia da libertação” na América Latina, da “teologia africana”, da “teologia feminista”, dentre muitas outras formas de articulação do discurso teológico, em função de realidades humanas específicas, com suas marchas e contramarchas, avanços e retrocessos, garantiram um papel significativo para a tarefa teológica no espaço da sociedade civil, com ou sem o beneplácito das instituições eclesiásticas.
Por outro lado é importante observar que, especialmente no Brasil, a dimensão pública da religião, particularmente, nas últimas décadas, vem se tornando notória, seja porque cada vez mais grupos religiosos, das mais variadas tendências, ocupam crescentemente os espaços midiáticos, seja porque as instituições eclesiásticas se tenham empenhado em buscar o reconhecimento público para suas atividades, particularmente aquelas de caráter social e educacional. O debate em torno da natureza da educação religiosa nas escolas públicas, questão ainda não resolvida cabalmente, do ponto de vista de uma prática plenamente democrática, como preceitua a atual lei de Diretrizes e Bases da Educação e a polêmica em torno de temas éticos envolvendo lideranças eclesiásticas com posturas discriminatórias e preconceituosas, são evidências de que a teologia está sendo chamada para o espaço público para oferecer os subsídios históricos e epistemológicos capazes de contribuir para derrubar os muros da intolerância, do desconhecimento e dos preconceitos.
Concomitante a essas manifestações vem se desenvolvendo, nas últimas décadas, a partir de centros de reflexão teológica nos Estados Unidos, na Europa, na África do Sul e, de forma incipiente no Brasil, o que se tem convencionado chamar de teologia pública, particularmente no universo da teologia protestante, mas também no espaço católico-romano. Segundo Rudolf von Sinner o termo foi cunhado por Martin Marty, num artigo publicado em 1974 sobre o teólogo Reinhold Niebuhr, por ele considerado como “o principal intérprete do século do comportamento social religioso americano”. Trata-se de um movimento global que hoje se encontra articulado na Global Network for Public Theology, criada em 2007 em Princeton, N.J. (EUA) e seu órgão de divulgação The International Journal of Public Theology. Presentemente cerca de 25 institutos de pesquisa ao redor do mundo, compõem esta rede.
No Brasil, a produção e os debates acerca do significado da teologia pública ainda estão apenas começando. Por enquanto somente duas instituições teológicas tem-se ocupado mais diretamente desta temática. Do lado católico está a Unisinos, em S. Leopoldo, RS, que mantém o Instituto Humanitas (IHU) como fomentador e divulgador da teologia pública, mediante a publicação dos Cadernos de Teologia Pública. Outra instituição, agora no universo protestante, a Faculdades EST, na mesma cidade rio-grandense, também se ocupa desta temática. Em julho de 2008 ambas instituições organizaram o primeiro Simpósio Internacional sobre Teologia Pública na América Latina como forma de impulsionar o debate acerca da importância da teologia pública.
Segundo alguns autores que se tem debruçado sobre este tema a teologia pública seria “uma teologia compromissada com seu tempo e com suas múltiplas demandas. Em outras palavras, uma teologia encarnada e capaz de ouvir as perguntas de hoje e, a partir daí, com base em sua história, em seus princípios e com uma espiritualidade madura em diálogo com o todo da tradição cristã, articular respostas atualizadas” (R. Cavalcante). Ou, como assinala von Sinner “uma teologia pública [é aquela que…] visa dar orientação às igrejas quanto a sua atuação além de sua membresia, em diálogo constante com a sociedade civil e a universidade, a economia, a mídia e outros ‘públicos’ .
”De forma explicita e muito clara Inácio Neutzling nos conduz com maestria à compreensão do estatuto desta nova perspectiva para o fazer teológico. Diz ele: “…Quer seja concebida como doutrina de fé ou dogmática eclesial, como teologia da esperança ou da libertação, como negra ou feminista, a teologia é, pela relação com seu horizonte último e, portanto, em sua primeira paixão, sempre teologia do Reino de Deus, e por isso mesmo teologia pública: discurso público em favor do Evangelho público do Reino de Deus.” (…) “A teologia, como discurso público, tem necessidade da liberdade institucional frente à igreja, assim como de um lugar no espaço público das ciências. A teologia do Reino de Deus mistura-se, critica e profeticamente, nas coisas públicas de uma sociedade e recorda, publicamente, não interesses eclesiais, mas ‘o Reino de Deus e a sua justiça’. Assim, ‘ a teologia do Reino de Deus não pode se refugiar ‘fundamentalisticamente’ na própria comunidade de fé, nem adaptar-se ‘modernisticamente’ às tendências da sociedade. Ela sabe resistir e é produtiva em ordem ao futuro da vida de toda a criação terrena.’ (…) “Em cada um desses âmbitos, a teologia do Reino de Deus é teologia pública, que participa por isso da res publica dasociedade e ‘imiscui-se’ em termos críticos e proféticos, já que ela vê a realidade pública na perspectiva do Reino de Deus que vem.”
Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, ao longo de sua trajetória de serviço, diálogo e testemunho no interior da sociedade brasileira, sempre articulou o conjunto de suas atividades de assessoria às igrejas, aos organismos ecumênicos, aos diferentes movimentos sociais e suas tentativas de produção de conhecimento partindo da perspectiva teológica que tem como horizonte o Reino de Deus. Procurando auto-realizar-se e se auto-expressar como uma função do Reino de Deus que está por vir tem-se mantido autônoma com relação às instituições eclesiásticas, às vezes, até mesmo numa posição de confronto, assim como tem procurado resguardar sua independência em relação ao político, ao cultural, ao econômico e ao ecológico.
Desenvolvendo atividades voltadas para os mais vulneráveis em nossa sociedade e procurando criar espaços de reflexão que favoreçam o discernimento das dimensões critico-proféticas oferecidas pela perspectiva do Reino de Deus, que informa e conforma o conjunto de sua incidência pública, esta entidade ecumênica se enquadra perfeitamente nos parâmetros de uma teologia pública em processo de desenvolvimento. Por isso mesmo, ao dar-se conta das articulações reflexivas sobre esta temática que, originadas de outros contextos, começam a ganhar forma entre nós, Koinonia se oferece como parceira neste processo colocando à disposição dos interessados todo o acervo de sua acumulada experiência.
Com efeito, a partir de meados da década de sessenta, após o Concílio Vaticano II, com sua “opção preferencial pelos pobres e pelos jovens” e do crescente envolvimento das igrejas-membro do Conselho Mundial de Igrejas com as questões de ordem política, econômica e social que marcaram a vida do mundo na segunda metade do século passado, a reflexão teológica ganhou novas dimensões que extrapolaram os muros das igrejas e das academias alcançando as páginas dos jornais e os noticiários das televisões. O surgimento da “teologia negra” nos Estados Unidos, da “teologia da libertação” na América Latina, da “teologia africana”, da “teologia feminista”, dentre muitas outras formas de articulação do discurso teológico, em função de realidades humanas específicas, com suas marchas e contramarchas, avanços e retrocessos, garantiram um papel significativo para a tarefa teológica no espaço da sociedade civil, com ou sem o beneplácito das instituições eclesiásticas.
Por outro lado é importante observar que, especialmente no Brasil, a dimensão pública da religião, particularmente, nas últimas décadas, vem se tornando notória, seja porque cada vez mais grupos religiosos, das mais variadas tendências, ocupam crescentemente os espaços midiáticos, seja porque as instituições eclesiásticas se tenham empenhado em buscar o reconhecimento público para suas atividades, particularmente aquelas de caráter social e educacional. O debate em torno da natureza da educação religiosa nas escolas públicas, questão ainda não resolvida cabalmente, do ponto de vista de uma prática plenamente democrática, como preceitua a atual lei de Diretrizes e Bases da Educação e a polêmica em torno de temas éticos envolvendo lideranças eclesiásticas com posturas discriminatórias e preconceituosas, são evidências de que a teologia está sendo chamada para o espaço público para oferecer os subsídios históricos e epistemológicos capazes de contribuir para derrubar os muros da intolerância, do desconhecimento e dos preconceitos.
Concomitante a essas manifestações vem se desenvolvendo, nas últimas décadas, a partir de centros de reflexão teológica nos Estados Unidos, na Europa, na África do Sul e, de forma incipiente no Brasil, o que se tem convencionado chamar de teologia pública, particularmente no universo da teologia protestante, mas também no espaço católico-romano. Segundo Rudolf von Sinner o termo foi cunhado por Martin Marty, num artigo publicado em 1974 sobre o teólogo Reinhold Niebuhr, por ele considerado como “o principal intérprete do século do comportamento social religioso americano”. Trata-se de um movimento global que hoje se encontra articulado na Global Network for Public Theology, criada em 2007 em Princeton, N.J. (EUA) e seu órgão de divulgação The International Journal of Public Theology. Presentemente cerca de 25 institutos de pesquisa ao redor do mundo, compõem esta rede.
No Brasil, a produção e os debates acerca do significado da teologia pública ainda estão apenas começando. Por enquanto somente duas instituições teológicas tem-se ocupado mais diretamente desta temática. Do lado católico está a Unisinos, em S. Leopoldo, RS, que mantém o Instituto Humanitas (IHU) como fomentador e divulgador da teologia pública, mediante a publicação dos Cadernos de Teologia Pública. Outra instituição, agora no universo protestante, a Faculdades EST, na mesma cidade rio-grandense, também se ocupa desta temática. Em julho de 2008 ambas instituições organizaram o primeiro Simpósio Internacional sobre Teologia Pública na América Latina como forma de impulsionar o debate acerca da importância da teologia pública.
Segundo alguns autores que se tem debruçado sobre este tema a teologia pública seria “uma teologia compromissada com seu tempo e com suas múltiplas demandas. Em outras palavras, uma teologia encarnada e capaz de ouvir as perguntas de hoje e, a partir daí, com base em sua história, em seus princípios e com uma espiritualidade madura em diálogo com o todo da tradição cristã, articular respostas atualizadas” (R. Cavalcante). Ou, como assinala von Sinner “uma teologia pública [é aquela que…] visa dar orientação às igrejas quanto a sua atuação além de sua membresia, em diálogo constante com a sociedade civil e a universidade, a economia, a mídia e outros ‘públicos’ .
”De forma explicita e muito clara Inácio Neutzling nos conduz com maestria à compreensão do estatuto desta nova perspectiva para o fazer teológico. Diz ele: “…Quer seja concebida como doutrina de fé ou dogmática eclesial, como teologia da esperança ou da libertação, como negra ou feminista, a teologia é, pela relação com seu horizonte último e, portanto, em sua primeira paixão, sempre teologia do Reino de Deus, e por isso mesmo teologia pública: discurso público em favor do Evangelho público do Reino de Deus.” (…) “A teologia, como discurso público, tem necessidade da liberdade institucional frente à igreja, assim como de um lugar no espaço público das ciências. A teologia do Reino de Deus mistura-se, critica e profeticamente, nas coisas públicas de uma sociedade e recorda, publicamente, não interesses eclesiais, mas ‘o Reino de Deus e a sua justiça’. Assim, ‘ a teologia do Reino de Deus não pode se refugiar ‘fundamentalisticamente’ na própria comunidade de fé, nem adaptar-se ‘modernisticamente’ às tendências da sociedade. Ela sabe resistir e é produtiva em ordem ao futuro da vida de toda a criação terrena.’ (…) “Em cada um desses âmbitos, a teologia do Reino de Deus é teologia pública, que participa por isso da res publica dasociedade e ‘imiscui-se’ em termos críticos e proféticos, já que ela vê a realidade pública na perspectiva do Reino de Deus que vem.”
Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, ao longo de sua trajetória de serviço, diálogo e testemunho no interior da sociedade brasileira, sempre articulou o conjunto de suas atividades de assessoria às igrejas, aos organismos ecumênicos, aos diferentes movimentos sociais e suas tentativas de produção de conhecimento partindo da perspectiva teológica que tem como horizonte o Reino de Deus. Procurando auto-realizar-se e se auto-expressar como uma função do Reino de Deus que está por vir tem-se mantido autônoma com relação às instituições eclesiásticas, às vezes, até mesmo numa posição de confronto, assim como tem procurado resguardar sua independência em relação ao político, ao cultural, ao econômico e ao ecológico.
Desenvolvendo atividades voltadas para os mais vulneráveis em nossa sociedade e procurando criar espaços de reflexão que favoreçam o discernimento das dimensões critico-proféticas oferecidas pela perspectiva do Reino de Deus, que informa e conforma o conjunto de sua incidência pública, esta entidade ecumênica se enquadra perfeitamente nos parâmetros de uma teologia pública em processo de desenvolvimento. Por isso mesmo, ao dar-se conta das articulações reflexivas sobre esta temática que, originadas de outros contextos, começam a ganhar forma entre nós, Koinonia se oferece como parceira neste processo colocando à disposição dos interessados todo o acervo de sua acumulada experiência.
Como expressão concreta desta sua disposição inaugura, a partir de agora, em seu sitio eletrônico (www.koinonia.org.br) uma coluna sobre Theologia Publica, sob minha direção e responsabilidade, apresentando entrevistas com agentes de seus programas, com lideranças de movimentos sociais, igrejas, pessoas de outras comunidades religiosas e militantes políticos, além de oferecer este espaço para a publicação de artigos e notícias relevantes sobre esta temática.
Zwinglio M. Dias
*Os dados informativos e as citações usadas neste texto foram coligidas do livro publicado por Cavalcante, Ronaldo & von Sinner, Rudolf, Teologia Pública em Debate, São Leopoldo: Ed. Sinodal/Faculdades EST, 2011