Países de renda média ainda precisam de ajuda, afirma a diretora do Christian Aid, Loretta Minghella

Carolina Maciel

O governo inglês pretende transformar em lei o seu compromisso de destinar 0,7% do PIB nacional para auxiliar outros países, o que gerou uma série de críticas nas páginas de jornais, principalmente do Daily Mail. A ajuda do Reino Unido à Índia foi o primeiro alvo. Apesar de um terço da população mais pobre do mundo estar entre seus 1,2 bilhão de habitantes, o país possui um programa espacial e é classificado como uma nação de renda média. Por que eles deveriam continuar recebendo doações às custas dos pesados impostos pagos pelos cidadãos ingleses?

A notícia de que o Brasil, outro destino do auxílio oferecido pelo Departamento Britânico de Desenvolvimento Internacional, foi classificado como uma economia maior que a do Reino Unido causou ainda mais revolta. “A Grã-Bretanha deve colocar os seus necessitados em primeiro lugar”, exigiu o jornal em seu comentário sobre o assunto. O The Sun, por sua vez, adotou um tom mais ameno. “A população brasileira é de 190 milhões”, segundo um porta-voz do Centre for the Economics and Business Research (“Centro de Pesquisas Econômicas e Empresariais”, em tradução livre). “A economia deles pode ser maior, mas o padrão de vida aqui (no Reino Unido) é muito superior ao de lá.” Esse é o cerne da questão. Não tenho a intenção de minimizar a luta diária dos pobres e necessitados nesse país. Contudo, uma visita recente aos projetos da Christian Aid no Brasil me permitiu ver com meus próprios olhos que a riqueza econômica e a pobreza extrema podem caminhar lado a lado.
 
A cara da pobreza global vem mudando nos últimos anos. Vinte ou trinta anos atrás, a maior parte da população pobre do mundo era encontrada em países pobres, enquanto atualmente 75% daqueles que vivem em condições extremas de miséria (menos de US$1 por dia) estão em países de renda média. Apesar de seu crescente poder econômico, o Brasil continua sendo uma das nações mais desiguais do mundo: lá, 3% de sua população é dona de dois terços das terras cultiváveis, por exemplo. Milhões não possuem acesso à terra e um terço da população não dispõe de água potável. Entre os motivos para esse quadro tão desigual, destaca-se uma política tributária regressiva. Em 2005, o Brasil recolheu quase 34% do seu PIB em impostos, mas investiu apenas 9,5% desse montante em serviços primordiais como educação, saúde, habitação e saneamento básico. Essa situação é criada pela combinação da pesada dívida brasileira com o fato de que o FMI exige que o país mantenha um superávit de pelo menos 4%.
 
Um dos parceiros do Christian Aid visitados por mim, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, trabalha com os sem-teto no centro de São Paulo, a maior cidade do hemisfério sul. A evidente riqueza econômica da cidade contrasta fortemente com as condições de vida de quem mora nas ruas ou em cortiços.
 
Estive em um dos projetos em um centro de reciclagem de lixo, no qual as pessoas aprendem a confeccionar e comercializar produtos feitos em material reciclável. Outro parceiro, o MST (Movimento dos Sem Terra) já conseguiu o assentamento de 400 mil famílias em áreas por todo o país.
 
Também tive a oportunidade de viajar área serrana no Rio de Janeiro, onde testemunhei a devastação deixada pelas enchentes de 2010, nas quais pelo menos mil pessoas morreram. A ajuda do governo para áreas remotas é ínfima. A Koinonia, outra parceira, fornece cobertores e refeições para seis mil pessoas, além de ajudar os necessitados a reconstruir suas vidas.
 
Abandonar países como o Brasil nesse estágio de desenvolvimento seria uma atitude equivocada. Nos países em desenvolvimento, o crescimento econômico não é suficiente. Naturalmente, ele é essencial para ajudar as pessoas a saírem da linha de miséria, mas com frequência acontece às custas dos pobres.
 
 
Com informações Church Times 
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