Encontro reúne quilombolas de Alcântara e Marambaia

Marcia Evangelista

Foi realizado no dia 29, na Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), um encontro com a participação de Leonardo dos Anjos, Coordenador Geral do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial (MABE) e representante da comunidade de Brito; Militina Serejo, representante do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais de Alcântara, da comunidade de Mamuna; da Prof. Maristela de Paula Andrade, antropóloga da Universidade Federal do Maranhão (UFMA); e Vânia Guerra – presidente da Associação de Remanescentes de Quilombo da Ilha da Marambaia (Arqimar). O evento foi promovido pelas organizações Justiça Global, FGV Direito Rio, KOINONIA e Mariana Criola.

Leonardo, Militina e a Prof. Maristela, estiveram em Washington (EUA), onde participaram de audiência no dia 27 de outubro, na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, sobre o Caso Alcântara. Na audiência eles foram contar pessoalmente sua luta para que o Estado efetive o direito dos quilombolas ao território, direito garantido pela Constituição Federal de 1988, Convenção Americana de Direitos Humanos e pela Convenção n. 169 da OIT.

Os quilombolas de Alcântara relataram à Comissão os graves impactos e o processo violento de desestruturação sociocultural sofridos por suas comunidades em virtude da instalação do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) na década de 80, e intensificação desses danos em 2001, quando o Estado brasileiro decidiu abrir o centro espacial para utilização comercial por outros países.

O público presente foi formado por estudantes da Faculdade de Direito da FGV, professores e representantes de organizações que prestam assessoria aos quilombolas.

Os casos de Alcântara e Marambaia

O encontro foi aberto com a fala da advogada Renata Lira, representante da organização Justiça Global, que assessora a Comunidade Quilombola de Alcântara. Renata destacou que reunir as duas comunidades, Alcântara e Marambaia, justifica-se porque ambas enfrentam problemas semelhantes: Alcântara trava uma luta contra o Ministério da Aeronáutica para impedir a expansão da Base Espacial de Alcântara. A comunidade da Marambaia enfreta a Marinha do Brasil, que qualifica os moradores como invasores. Apesar da Fundação Cultural Palmares ter expedido em 2004 a Certidão de Reconhecimento do território quilombola da Ilha da Marambaia, a Marinha insiste em não reconhecer o território. As duas comunidades sofrem com problemas como insegurança alimentar, proibição de livre circulação no território, completa falta de acesso a políticas públicas de educação, saúde, saneamento básico e transporte, o que aponta claramente o objetivo do governo federal de não respeitar os direitos das duas comunidades.

Leonardo dos Anjos foi o primeiro a relatar a visita à OEA, e  descreveu a situação do território étnico de Alcântara. Desde 1980, com a desapropriação do território para construção do Centro de Lançamento de Alcântara, as comunidades vêm sendo sucessivamente expulsas de suas terras e sofrendo as mais graves violações de direitos básicos à manutenção de sua vivência, cultura e tradições.

O Ministério da Aeronáutica alega que a Base Espacial de Alcântara é a melhor do mundo, mas como é a melhor se nesses 28 anos só foram lançados foguetes de experiência? Um deles incendiou, causando a morte de 21 pessoas, em números oficiais.”, destaca Leonardo.

A luta hoje é contra a expansão do Centro de Lançamento. Em 2003, Brasil e Ucrânia firmaram acordo internacional para cooperação nos usos pacíficos do espaço exterior, que culminou com a criação da empresa Alcântara Cyclone Space (ACS). A partir de então, a ACS vêm invadindo o território quilombola e realizando obras e atividades de pré-engenharia para criação de um sítio de lançamento de foguetes. O Ministério Público Federal do Maranhão ajuizou ação e obteve liminar da Justiça Federal, em setembro de 2008, para proibir que a Agência Espacial Brasileira e a ACS realizassem qualquer obra, instalações e serviços que afetassem a posse do território étnico de Alcântara, até que fosse concedida em definitivo a titulação da área às comunidades quilombolas.

Só lamento o pouco tempo que tivemos para expor o nosso problema na Comissão Interamericana, em Washington. Oito minutos é muito pouco para tudo que as comunidades de Alcântara vem sofrendo desde a implantação dessa Base”, lamentou.

Militina Serejo destacou em sua fala a força a organização da comunidade, que teve que agir com força contra as obras de expansão do CLA. Antes do Ministério Público agir nós fechamos a estrada que dá acesso à área de obra com troncos e galhos e impedimos as máquinas de trabalhar. Tivemos que agir com força para defender o nosso território”, destaca Militina.

Vânia Guerra, presidente da Arqimar, fez um relato dos conflitos que a comunidade da Marambaia vem travando com a Marinha no território. “As políticas públicas não chegam a Ilha. Nossa entrada e nossa saída, e a de nossos visitantes, dependem da autorização da Marinha. A Ilha é reconhecida pela Fundação Palmares como território quilombola, mas a Marinha nega a existência de quilombolas na Ilha. Em 2006, o Incra publicou no Diário Oficial da União um relatório que identificava as terras quilombolas na Marambaia. Mas, no dia seguinte, outra portaria do Incra foi publicada anulando a anterior. Até hoje aguardamos a continuidade do processo”.

Encaminhamentos da audiência

Além dos representantes quilombolas, peticionários da ação de denúncia junto a CIDH, o governo brasileiro se fez representar por Márcia Adorno Ramos, do Ministério das Relações Exteriores; Renata Leite, do Ministério de Desenvolvimento Agrário; e de Yuchi Au, da Agência Espacial Brasileira.

A partir da audiência realizada no dia 27, a CIDH deverá emitir um relatório sobre as violações de direitos humanos cometidas pelo Estado brasileiro, apontando recomendações para reparação às comunidades. As organizações que apresentaram a denúncia junto a OEA esperam que sejam reconhecidos os direitos à propriedade, liberdade de circulação, proteção à família, liberdade de associação e respeito à igualdade e não-discriminação dos quilombolas de Alcântara, previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos.

Veja o vídeo da Audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, acessando:

http://www.oas.org/OASpage/videosondemand/show/video.asp?nCode=08-0347&nCodeDet=1

Saiba mais sobre os casos de Alcântara e Ilha da Marambaia lendo as notícias publicadas no site do Observatório Quilombola:

ALCÂNTARA:

Quilombolas serão ouvidos na sede da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (27/10/2008)

MA – Impasse entre quilombolas e Agência Espacial longe do fim (18/9/2008)

MA – Justiça suspende a construção de plataformas para foguetes em Alcântara (18/9/2008)

MA – Quilombolas de Alcântara recorrem à OIT por violações ao direito à terra (18/9/2008)

MARAMBAIA:

RJ – Governo não chega a acordo quanto a terras do quilombo da Marambaia (13/8/2008

RJ – Marinha diz que área ocupada por quilombolas da Marambaia é estratégica (21/7/2008)

RJ – Questão quilombola de Marambaia já leva 150 anos (21/7/2008)

RJ – Procuradoria suspende decisão que autoriza a ocupação da Marambaia por quilombolas (6/5/2008)

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