Debates e compromissos marcaram I Cúpula das Vozes Quilombolas pelo Clima no Rio de Janeiro 

No dia 15 de novembro, mais de 80 pessoas se reuniram na Fundição Progresso, Rio de Janeiro, para participar da I Cúpula das Vozes Quilombolas pelo Clima, uma iniciativa da ACQUILERJ em parceria com KOINONIA. 

O evento foi estrategicamente marcado para coincidir com a Cúpula dos Povos em Belém, que convocou ações de incidência em todo o Brasil — nas ruas, universidades e espaços culturais — durante a COP 30, com o objetivo de ampliar a visibilidade das vozes quilombolas em um momento decisivo para os debates sobre o futuro do planeta.  

A Cúpula reuniu lideranças quilombolas, organizações da sociedade civil e agentes públicos, visando fortalecer a articulação quilombola, afirmar sua contribuição histórica e presente para a proteção das florestas, das águas e da biodiversidade.  

“São 54 comunidades no estado do Rio de Janeiro, mas muita gente ainda não sabe que existimos. Nestes tempos de crise climática, está mais do que na hora de as pessoas saberem que nós, quilombolas, somos os povos que protegem grande parte da Mata Atlântica e das águas que abastecem as cidades. Para continuarmos a fazer isso, precisamos que nossas vozes sejam ouvidas e nossos direitos respeitados. Não há como falar em soluções para o clima sem titular os territórios quilombolas”, destacou Bia Nunes, Presidenta da ACQUILERJ. 

Ao total, a programação teve seis mesas, que debateram sobre o panorama geral das comunidades, justiça climática, garantias territoriais, garantias jurídicas, juventude quilombola e economia criativa quilombola.  

Panorama socioambiental  

A primeira mesa, intitulada Vozes Quilombolas, foi compartilhada entre lideranças de diferentes comunidades do estado do Rio de Janeiro: Frank Felles, de São Benedito, em São Fidélis, Patrícia Honorato, de Aleluia, Batatal e Cambucá, em Campos dos Goytacazes, e Fábio Marçal, da Ilha da Marambaia, em Mangaratiba. A mesa também contou com a presença de três quilombolas do Baixo Sul da Bahia: Laiane Kelly e Fernanda Santos, de Jatimane, em Nilo Peçanha, e Marcely do Nascimento, de Acaraí, em Camamu, participantes do projeto Quilombolas: Agentes de Ação pelo Clima, conduzido por KOINONIA em parceria com a ACQUILERJ e com recursos do Instituto Clima e Sociedade (iCS). 

Foi um momento importante de troca, mostrando que, mesmo sendo de diferentes estados e vivenciando desafios específicos, a luta pela preservação ambiental e pelos direitos territoriais perpassa a realidade de todas as comunidades quilombolas do país. 

Fábio Marçal, presidente da Associação Quilombola da Ilha da Marambaia, enfatizou que as comunidades quilombolas seguem sem ter acesso aos serviços básicos. Apesar de ser titulada, a comunidade ainda vive sob o risco de ter famílias deixando o território por falta de transporte e educação adequada.  

“Se as pessoas, principalmente a juventude, não contam com um serviço de transporte regular, se não podem ir e voltar da ilha para trabalhar e estudar em horários apropriados, se não têm garantido um local para construírem suas casas, é normal que queiram partir. E então, para que lutamos pelo território? Para ver as famílias partirem? Isso é outra forma de extinguir a gente e, se a comunidade não ocupar mais a ilha, com certeza o meio ambiente também será afetado”, apontou Fabio. 

Desafios e frentes de ação para apoiar a luta quilombola por justiça socioambiental e climática 

A segunda mesa do dia foi mediada por Eduarda Nascimento, da comunidade Maria Joaquina, em Cabo Frio, trazendo em sua abertura a fala de Alessandra Rangel, da comunidade Maria Romana e da Comissão de Justiça Climática da ACQUILERJ. 

Para Alessandra, é preciso que as políticas públicas saiam do papel e que as autoridades conheçam a realidade das comunidades do estado: “Mesmo sendo as protetoras das florestas, mesmo sendo as que menos contribuíram para esse cenário crítico das mudanças climáticas, as comunidades quilombolas são as que se encontram em situação de maior vulnerabilidade a eventos climáticos extremos. Queremos um posicionamento sobre o reconhecimento de nosso papel na conservação, mas acima de tudo queremos ver ações concretas nos territórios.” 

Além das representantes quilombolas, estavam na mesa Lucas Faulhaber, coordenador da equipe de justiça socioambiental do mandato do Deputado Flavio Serafini, que assume a presidência da Frente Parlamentar pela Justiça Climática da ALERJ; Viviane Lasmar Pacheco, Chefe do Parque Nacional da Tijuca do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); Irlaine Alvarenga, Superintendente da Secretaria de Estado do Ambiente e Sustentabilidade (SEAS); e Sergio Portella, do projeto Redes Colaborativas da Fiocruz. 
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Entre as propostas e compromissos, estão a promoção de diálogos constantes entre comunidades, mandatos e órgãos públicos para a elaboração e a implementação de ações e políticas para os territórios, além de projetos de educação ambiental e até emendas parlamentares e recursos que serão destinados às comunidades. 

“Realizamos esse evento no Rio porque entendemos que não é preciso estar em Belém para alçar as vozes do povo quilombola. A incidência precisa ser feita junto aos poderes públicos dos estados e municípios, pois são os principais responsáveis pela implementação dos compromissos assumidos pelo Brasil para o enfrentamento das mudanças climáticas”, destaca Rosa Peralta, Assessora de Relações Institucionais de KOINONIA e coordenadora do projeto Quilombolas: Agentes de Ação pelo Clima.  

Território titulado é justiça climática 

Na parte da tarde, Renan Prestes, chefe da Divisão dos Territórios Quilombolas do Incra, e Jairo Brandão, Coordenador de Vistoria Técnica do Iterj, abordaram as políticas de regularização fundiária, acesso ao crédito e de assistência técnica rural disponíveis para as comunidades quilombolas do estado.  

Houve também um momento de escuta das demandas e questionamentos sobre a lentidão e burocratização dos processos, que impedem a titulação dos territórios, alguns com mais de dez anos aguardando. 

“A cada dia que passa, as comunidades ficam mais expostas a invasões. Temos muitos casos de ameaças a lideranças. Essa situação é extremamente grave. Como os governos podem afirmar que estão enfrentando os impactos das mudanças climáticas se não garantem as vidas de quem representa a barreira para a degradação ambiental”, declarou Rejane de Oliveira, liderança da comunidade de Maria Joaquina, da Comissão de Regularização Fundiária da ACQUILERJ e uma das coordenadoras da CONAQ. 

Caminhos para a efetivação dos direitos quilombolas 

A interseção entre os direitos territoriais e a agenda climática é cada vez mais evidente. Estudos recentes têm comprovado que as práticas tradicionais de manejo dos territórios revelam o papel decisivo dessas comunidades na mitigação da crise climática. Um levantamento do MapBiomas (2023) indica que, entre 1985 e 2022, a perda de vegetação nativa foi de apenas 4,7% nos territórios quilombolas, contra 25% em áreas privadas. Na Mata Atlântica, as comunidades quilombolas não só preservaram, como houve um ganho de cerca de 8 mil hectares de floresta no período. 

Esses mesmos estudos indicam, porém, que a segurança da posse é fator indispensável para que as comunidades possam continuar a preservar o meio ambiente. No entanto, das 54 comunidades quilombolas no Rio de Janeiro, apenas três dessas comunidades têm seus territórios titulados. A lentidão nos processos de regularização fundiária as expõe a ameaças como grilagem, especulação imobiliária, turismo predatório e expansão do agronegócio. Segundo a ACQUILERJ, há pelo menos 15 mulheres quilombolas sob o Programa de Proteção de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos. 

Esse cenário desafiador deu o tom para a mesa que discutiu o papel de agentes jurídicos na defesa dos direitos quilombolas. O advogado quilombola Almir Gonçalves, da comunidade de São José da Serra, em Valença, abriu a mesa elencando os principais problemas enfrentados pelas comunidades. Também estavam presentes a Dra. Luciana Mota, Coordenadora do Núcleo de Combate ao Racismo e à Discriminação Étnico Racial (NUCORA) da Defensoria Pública do Estado RJ, e o Dr. Claudio Santos, representando a Defensoria Pública da União (DPU). 

A conclusão da mesa foi que para garantir plenamente os direitos quilombolas é preciso ter uma visão integral dos territórios, sendo órgãos como a DPE, a DPU e o MPF essenciais para a sua fiscalização e efetivação. Titulação é primordial, mas também é necessário educação, saúde, saneamento e proteção da vida das lideranças. 

Economia criativa e juventudes quilombolas garantindo a sustentabilidade dos territórios 

Na última mesa, Elizabeth Fernandes falou da importância de impulsionar as economias locais quilombolas. 

“Temos gastronomia, artesanato, manifestações culturais, festas, turismo quilombola, sempre respeitando a natureza, mas é necessário que possamos ter mais apoio e visibilidade”, declarou. 

“Essas comunidades mais uma vez mostram o caminho que devemos seguir enquanto sociedade, ao desenvolver atividades econômicas que, para prosperar, precisam de florestas e águas preservadas”, conclui Ana Gualberto, diretora executiva de KOINONIA. 

Valéria Cristina da Silva Leite, da comunidade de Alto da Serra, em Rio Claro, e Diretora da Juventude da ACQUILERJ, e Iane Lima, da Ilha da Marambaia, em Mangaratiba, reconheceram a urgência da pauta climática para as comunidades quilombolas e reivindicaram uma participação mais ativa das juventudes quilombolas nos espaços de discussão e decisão.  

“Em nossa comunidade, temos uma grande área de preservação ambiental, mas mesmo assim somos afetados pelas mudanças climáticas. O cronograma de plantio tem que ser ajustado em função desse novo ciclo de chuvas, e isso preocupa. Nós jovens queremos ficar nos nossos territórios, que foram cuidados pelos nossos ancestrais, mas para isso precisamos que as comunidades quilombolas sejam incluídas nas discussões sobre meio ambiente e clima. Só que, para falar de futuro, é preciso incluir a juventude também. O amanhã se constrói hoje”, afirmou Valéria. 

Para Iane, da mesma forma que não se pode falar de justiça climática sem falar das comunidades quilombolas, não se pode falar de futuro sem dar lugar de fala à juventude: “Sempre que houver espaços públicos de debate, eu acho que seria muito importante ter pelo menos uma juventude na mesa. A gente traz inovação, mas também carregamos ancestralidade. A juventude é muito cobrada, mas, para dar continuidade à luta dos mais velhos precisamos ter oportunidade de falar.”  

Cuidar da Terra é Cuidar da Gente 


No encerramento da Cúpula, a presidenta da ACQUILERJ Bia Nunes lançou o Fórum Itinerante “Cuidar da Terra é Cuidar da Gente: A Luta Quilombola pela Mata Atlântica”, que será o instrumento para promover a discussão climática dentro das regiões do estado.  

Além disso, Bia leu uma Carta Pública com diversas demandas que foi aprovada por todas as pessoas presentes e será enviada a diversos órgãos do poder público. 

A I Cúpula das Vozes Quilombolas pelo Clima foi uma iniciativa da ACQUILERJ em parceria com KOINONIA e teve apoio do iCS, da PPM, do Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental – Núcleo Mata Atlântica Rio de Janeiro, Redes Colaborativas da Fiocruz e contou com uma cobertura do projeto Brasil 3.0, da ONG Cinema Nosso.  


O evento foi uma resposta à urgência de colocar os povos quilombolas no centro da agenda climática 

Por Rosa Peralta, Assessora de Relações Institucionais de KOINONIA e coordenadora do projeto Quilombolas: Agentes de Ação pelo Clima.

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