Nos dias 7 e 8 de junho, a comunidade quilombola de Bongaba, localizada no município de Magé (RJ), abriu suas portas para a oficina “Território, Identidade e Clima”, reunindo agentes quilombolas de quatro regiões do estado do Rio de Janeiro para uma formação dedicada à reflexão e à ação frente às mudanças climáticas.
A atividade faz parte do projeto “Quilombolas: agentes de ação pelo clima”, realizado por KOINONIA com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS) objetivando capacitar lideranças quilombolas para atuarem em espaços de incidência e discussão de políticas climáticas, especialmente no contexto das mobilizações para a COP-30, que será realizada em 2025, em Belém (PA).
Estiveram presentes representantes das comunidades quilombolas de Fazenda Espírito Santo (Cabo Frio), Camorim (Jacarepaguá, na capital do Rio de Janeiro) e da própria comunidade de Bongaba. Também participaram membros do terreiro Ilé Àṣé Ògún Alàkòró, que acolheu toda a programação em seu espaço.
Segundo Renato Kinupa, quilombola de Bongaba, a integração promovida pelo projeto é de extrema importância, pois dá a oportunidade para os participantes trocarem experiências. “Dentro dessas atividades nós vemos que temos muitas coisas diferentes, mas também algo que nos toca em um lugar comum”, concluiu o também assessor da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj).
Saberes tradicionais e clima em diálogo
No primeiro dia, Rosa Peralta, Assessora para Relações Institucionais de KOINONIA, conduziu uma formação com os participantes, contextualizando o papel das comunidades tradicionais nos debates e ações relacionados ao clima. Rosa reforçou como quilombolas e povos de terreiro, com seus modos de vida e relação ancestral com a terra, contribuem de forma concreta para a preservação da natureza, especialmente da Mata Atlântica, bioma onde estão inseridas as comunidades participantes do projeto.
Além da pauta ambiental, o grupo também discutiu temas como a saúde da mulher negra e os impactos das mudanças climáticas no cotidiano das populações tradicionais. As conversas partiram do território, mas dialogaram com questões amplas, interligando justiça climática, justiça racial e justiça de gênero.
Para Regina Severino Soares, liderança quilombola da comunidade Fazenda Espírito Santo, de Cabo Frio, a experiência ajuda a ampliar os horizontes perante às vivências durante a atividade. “Foi tudo muito bacana para vermos o que está acontecendo em outras comunidades e levar para o nosso território os pontos positivos e negativos aprendidos na formação”.
Experiência de território e ancestralidade
No domingo, os participantes realizaram uma visita guiada pelo território do Quilombo de Bongaba, conduzida pelo Bàbá Paulo de Ogun, liderança espiritual e dirigente do terreiro Ilé Àṣé Ògún Alàkòró. Durante o percurso, Bàbá Paulo apresentou marcos históricos e simbólicos do território, como o aterro sanitário e o cemitério da cidade, a primeira linha férrea do Brasil, o ateliê de peças de barro e as ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Piedade de Inhomirim – espaço de importância histórica e religiosa para a região.
“Tivemos a oportunidade de apresentar nossa comunidade e de explorar e mostrar algumas das nossas situações que nos deixam preocupados, como a do aterro sanitário que temos em nosso território. Buscamos constantemente por meios para mitigar e minimizar os impactos gerados, como a pobreza extrema e a desvalorização da pessoa humana, mas a realidade ainda é muito dura”, contou Renato, que ao lado de Bàbá Paulo de Ogun, guiou o grupo na caminhada pelo território.
Cada parada foi acompanhada de reflexões sobre os desafios enfrentados pela comunidade e sobre a importância de manter vivas as memórias, os saberes e as formas tradicionais de organização e resistência. Durante a visita, os participantes conheceram o trabalho comunitário desenvolvido pela casa de axé, que, além de suas atividades espirituais, oferece atendimentos gratuitos à população em áreas como contabilidade, assessoria jurídica, acompanhamento psicológico e educação pré-vestibular.
Com mais de 300 m² e cercado por árvores nativas, o Quilombo de Bongaba é um exemplo vivo de território ancestral que resiste e se reinventa. Para os participantes, este foi um momento de aprendizado coletivo, através do qual a ancestralidade, a história e o cuidado com o meio ambiente se entrelaçaram como caminhos possíveis para a justiça climática.
“Levo comigo hoje saberes, conhecimentos, experiências. O intercâmbio traz para nós o fortalecimento e o conhecimento”, comentou Rosilene Rosa Severino, também liderança da comunidade quilombola Fazenda Espírito Santo.
Incidência quilombola pelo clima
O projeto “Quilombolas: agentes de ação pelo clima” parte do reconhecimento de que as comunidades quilombolas têm um papel estratégico na preservação ambiental e na mitigação das mudanças climáticas, mas ainda são invisibilizadas nas políticas públicas e nas discussões sobre o tema. A proposta é justamente fortalecer o protagonismo dessas lideranças, promovendo formações, intercâmbios e produção de materiais que subsidiem sua atuação em espaços de negociação e construção de planos de ação climática.
Rosilane Almeida, da comunidade quilombola do Camorim, localizada em Jacarepaguá, Rio de Janeiro, reforçou a importância de estar nos territórios que trabalham pela preservação e possuem uma interação com a Mata Atlântica, bioma tão importante para as comunidades tradicionais e toda a sociedade. “Precisamos mostrar o quanto já preservamos esse bioma. Justamente para nossa sobrevivência, temos uma relação muito potente com a natureza e ouvir as comunidades que estão dentro dessa floresta é uma solução para diminuir todo o problema de mudanças climáticas que estamos vivendo”.
O projeto atua nos estados do Rio de Janeiro e da Bahia, com atividades presenciais e virtuais em comunidades quilombolas de Angra dos Reis, Mangaratiba, Magé, Cabo Frio, Jacarepaguá (bairro da capital fluminense), além de Nilo Peçanha e Camamu, no sul da Bahia. Os temas abordados nas formações incluem identidade quilombola, racismo ambiental, direitos territoriais, justiça climática, relações de gênero e os principais tratados internacionais sobre mudanças climáticas.
Para saber mais sobre o projeto, acesse https://kn.org.br/projetos-em-curso/.Texto e fotos de Natasha Arsenio, jornalista em KOINONIA.